Atualmente, o IPI é um imposto federal que incide sobre produtos industrializados, tanto nacionais quanto importados, exercendo funções arrecadatória e extrafiscal (regulatória), permitindo a variação de alíquotas conforme a seletividade dos produtos. O IPI também possui caráter não cumulativo, permitindo a compensação de créditos ao longo da cadeia produtiva.
Para a Zona Franca de Manaus (ZFM), o IPI é um mecanismo central de incentivo, operacionalizado por meio de isenções, suspensões e, notavelmente, pelo crédito presumido. As empresas da ZFM se beneficiam de isenção do IPI na saída de seus produtos para outras unidades federativas. Crucialmente, esse sistema permite que os adquirentes desses produtos, localizados fora da ZFM (e que são contribuintes do IPI), tomem crédito do imposto como se ele tivesse sido efetivamente recolhido, o que reduz o custo final para o comprador e consolida a vantagem competitiva do produto proveniente da região. O Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a legitimidade desse creditamento presumido como instrumento de desenvolvimento regional, quando do julgamento do Tema 322.
Quanto maior a alíquota nominal do IPI, maior é o benefício fiscal auferido pelo programa da ZFM, o que explica por que a alíquota de referência do IPI é um fator dinâmico na competitividade da região.
A principal mudança trazida pela Reforma Tributária é a redução a zero da alíquota do IPI para a maior parte dos produtos a partir de 2027. Na nova configuração, o IPI passa a ter um caráter exclusivamente extrafiscal, servindo primariamente para proteger o polo industrial de Manaus.
A função regulatória ampla do IPI será transferida, em grande parte, para o novo Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. É vedada a incidência do IPI e do IS sobre os mesmos produtos, conforme previsto no artigo 126 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), introduzido pela EC 132/2023.
A legislação estabelece critérios claros para a manutenção do IPI positivo (ou “IPI-ZFM”), quais sejam: (i) produtos fabricados fora da ZFM terão alíquota de IPI zerada a partir de 2027; e (ii) produtos fabricados na ZFM terão incidência a depender da alíquota na Tabela de Incidência do IPI (TIPI), sendo que, para alíquota menor que 6,5%, o IPI será zerado (desde que cumpridas as condições legais, como já estar em produção na ZFM em 2024 ou ter projeto aprovado pela Suframa até janeiro de 2025) e, para alíquota igual ou superior a 6,5%, o produto continuará sujeito à cobrança do IPI.
A Reforma também previu a exclusão expressa da redução a zero para produtos classificados como bens de tecnologia da informação e comunicação, os quais seguirão regras específicas. Além disso, bens sem similar nacional, cuja produção venha a ser instalada na ZFM, terão alíquota mínima obrigatória de IPI de 6,5%.
A redefinição do IPI e a entrada em vigor dos novos tributos sobre o consumo (CBS e IBS) trazem impactos distintos para as empresas, dependendo de sua localização em relação à ZFM.
Para as empresas localizadas na ZFM, a manutenção do IPI positivo sobre produtos com alíquotas iguais ou superiores a 6,5% é o principal instrumento para garantir a competitividade. Sem essa alíquota, o mecanismo de crédito presumido de IPI, vital para os adquirentes fora da região, seria esvaziado.
Além da manutenção seletiva do IPI, a Reforma introduziu novos mecanismos compensatórios no IVA Dual, como o crédito presumido de CBS e IBS, que são concedidos para manter o equilíbrio econômico face aos benefícios fiscais extintos.
O crédito presumido de CBS será de 6% para produtos com IPI zerado, e para produtos sem redução da alíquota de IPI, será de 2%. Já o crédito presumido de IBS, este será escalonado, calculado através da aplicação de percentuais sobre o saldo devedor de IBS no período de apuração, de acordo com a natureza do bem (55% para bens de consumo final, 75% sobre bens de capital, 90,25% para bens intermediários e 100% para bens de informática).
A transposição dos antigos incentivos para os novos créditos gera desafios operacionais e incertezas interpretativas, exigindo regulamentações específicas do Poder Executivo, como a lista oficial de produtos com IPI reduzido a zero.
Ainda, os novos créditos presumidos (CBS/IBS) não são passíveis de ressarcimento em dinheiro, podendo apenas ser usados para abater os próprios CBS ou IBS, o que pode impactar o fluxo de caixa das empresas.
Outrossim, a Lei Complementar n.º 214/2025 não impede a instalação de novas empresas na ZFM. Contudo, há regras específicas para a obtenção do IPI zero e do crédito presumido de CBS de 6% para novos projetos, especialmente aqueles relacionados a bens sem similar nacional.
Por outro lado, os impactos para empresas não localizadas na ZFM se dão em dois níveis: como adquirentes de produtos da ZFM e como concorrentes nacionais.
Com relação aos adquirentes de Produtos da ZFM, essas empresas continuarão se beneficiando da sistemática de crédito presumido de IPI ao adquirir produtos incentivados (aqueles com alíquota IPI inferior a 6,5%), preservando a vantagem competitiva.
Já quanto aos concorrentes nacionais (indústrias fora da ZFM), para a maioria dos produtos, o IPI será zerado, o que, em tese, simplifica a cadeia produtiva. Contudo, a ideia é que os produtos remetidos da ZFM para outras áreas do país gerarão aos seus adquirentes crédito, o qual, por não ter como ser compensado (uma vez que para estes não haverá débito de IPI), poderá ser compensado com outros tributos federais ou ressarcido em dinheiro, visando garantir a competitividade da ZFM com relação aos produtos equivalentes produzidos em outros pontos do território nacional.
Atualmente, o IPI é cobrado sobre os itens listados na Tabela de Incidência do IPI (TIPI), exceto para produtos da Zona Franca de Manaus, que gozam de isenção. Tributar parte desses itens produzidos na ZFM assegura a igualdade fiscal com produtos de outras regiões e mantém a vantagem competitiva local. Além disso, a diminuição das alíquotas do IPI para certos itens da TIPI reduz a carga tributária para indústrias não incentivadas, diminuindo a vantagem das empresas beneficiadas pela ZFM. Por isso, o crédito presumido de 6% busca equilibrar essa perda de benefício fiscal.
Parece contraditório que, com a reforma tributária, o IBS e o CBS substituam o ICMS, ISS, PIS e Cofins, enquanto o IPI não seja extinto, mas sim zerado – exceto na Zona Franca de Manaus (ZFM), onde suas alíquotas se mantêm. Isso vai contra a lógica constitucional, que prevê benefícios fiscais para a ZFM, não uma carga tributária adicional em comparação ao resto do país.
No entanto, essa aparente contradição tem uma explicação: as empresas da ZFM ainda se beneficiam da isenção do IPI, pois ela permite que gerem créditos fiscais compensáveis com outros tributos federais, equivalente ao valor que pagariam sem o benefício regional.
Destaca-se, porém, que como a isenção é restrita à ZFM, os contribuintes que adquirem esses produtos fora da região não podem deduzir o valor correspondente ao IPI, calculado pela alíquota vigente.
A transição para esse novo modelo traz desafios, como a necessidade de regulamentação detalhada e ajustes operacionais para garantir a eficácia dos créditos compensatórios. Enquanto empresas fora da ZFM se beneficiam da simplificação tributária, as da ZFM dependem da manutenção do IPI positivo e dos créditos presumidos para equilibrar suas vantagens competitivas.
Em síntese, a reforma consolida o IPI como ferramenta estratégica de política industrial, mas sua efetividade dependerá da harmonização entre os novos tributos (IBS e CBS) e os benefícios regionais, evitando distorções que possam prejudicar o equilíbrio econômico nacional.
Jordana Lima Macarthy
Advogada na P&R Advogados Associados
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