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02/10/2025

ESTADO DE SÃO PAULO REVOGA REGIME ACELERADO DE RESSARCIMENTO DE ICMS E RESTRINGE A TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE ICMS-ST

Em resposta a ampla repercussão da Operação Ícaro, deflagrada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo para apuração de irregularidades na restituição de créditos de ICMS-ST relacionadas ao suposto favorecimento por parte de auditores da Secretaria da Fazenda estadual (Sefaz/SP) a determinados contribuintes, com o objetivo de agilizar e regularizar indevidamente processos administrativos, o governo paulista anunciou, no fim do mês de agosto, a adoção de duas novas medidas, modificando significativamente os procedimentos de ressarcimento do tributo estadual. Tais medidas impõem uma postura mais restritiva ao ressarcimento de créditos acumulados de ICMS e restringem as possibilidades de utilização de créditos apurados no regime de substituição tributária à própria cadeia.

A primeira medida adotada pelo Estado foi a revogação da autorização para apropriação acelerada de créditos acumulados de ICMS, antes prevista em procedimento simplificado para os contribuintes bem classificados no programa de estímulo à regularidade tributária “Nos Conformes”. Esse procedimento reduzia expressivamente o tempo de análise dos pedidos de ressarcimento, uma vez que a Sefaz/SP autorizava a utilização dos créditos previamente à realização da auditoria fiscal. Com a edição do Decreto nº 69.808/25, que revogou o Decreto nº 67.853/23, no entanto, todos os contribuintes, independentemente de seu nível de regularidade tributária, agora devem se submeter ao trâmite ordinário. Na prática, para os chamados “bons contribuintes”, isso representa maior demora e burocracia no ressarcimento, pois a liberação dos créditos dependerá, obrigatoriamente, de auditoria prévia, sendo autorizada apenas após a conclusão desses trabalhos.

Além do impacto imediato no fluxo de caixa, essa medida pode acarretar relevante perda financeira às empresas, já que os créditos ressarcidos não são atualizados monetariamente. Em um cenário juros elevados, com a taxa Selic no patamar de 15%, quanto maior for a demora para apropriação dos créditos, maior será depreciação desses valores. A situação torna-se ainda mais sensível no caso do ICMS, diante da iminente implementação da reforma tributária, cujo regramento prevê o ressarcimento dos valores acumulados do regime atual em até 20 anos, corrigidos pelo índice IPCA. Nesse contexto, o contribuinte corre sérios riscos de carregar vultosos saldos de crédito em um ambiente com baixa perspectiva de aproveitamento célere.

Essa realidade, no entanto, abre espaço para a adoção de medidas judiciais, notadamente a utilização do Mandado de Segurança, quando ultrapassados os prazos legais ou razoáveis para análise dos pedidos de ressarcimento. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, já reconhece que a demora injustificada na compensação de créditos, superior a 120 dias, conforme prazo estabelecido no art. 33, da Lei Estadual nº 10.177/98, enseja a possibilidade de intervenção judicial, assegurando ao contribuinte a adequada tramitação de seu processo administrativo, incluindo também o reajuste dos valores pela Selic, após o centésimo vigésimo dia.

A segunda medida adotada pela Sefaz/SP foi a expressiva restrição das possibilidades de utilização de créditos de ICMS-ST. A alteração, introduzida pela Portaria SRE nº 45/2025, que revogou trechos dos incisos II e IV do art. 20 da Portaria CAT nº 42/2018, passou a permitir a transferência de créditos de ST apenas para filiais do contribuinte ou para fornecedores integrantes da mesma cadeia produtiva (por exemplo, de uma farmácia para o fabricante de medicamentos). Antes disso, a normativa permitia a transferência para qualquer estabelecimento sujeito passivo do ICMS-ST inscrito no cadastro de contribuintes do Estado. A nova norma, também suprimiu o direto dos contribuintes liquidarem débitos de estabelecimento de terceiros, limitando essa possibilidade a débitos próprios ou de suas filiais.

O resultado prático dessa restrição é uma redução significativa na liquidez dos créditos de ICMS-ST, que passam a ter utilização bastante limitada. Os contribuintes ficam impossibilitados de empregar valores legítimos em operações antes autorizadas, o que aumenta o risco de acúmulo de créditos e, assim como a revogação do procedimento acelerado de ressarcimento de créditos de ICMS, tende a pressionar o fluxo de caixa das empresas. Na prática, trata-se de um mais entrave econômico aos contribuintes, já que o creditamento do ICMS-ST não representa uma benesse concedida pelo Estado, mas sim a concretização do princípio constitucional da não-cumulatividade.

Do ponto de vista jurídico, mostra-se questionável que essa restrição tenha sido imposta por meio de Portaria da Sefaz/SP, quando a Constituição, pela reserva legal e pelo princípio da legalidade, aponta que alterações desse tipo devem ser realizadas por lei em sentido estrito, e não por atos infralegais. Ademais, verifica-se que a Portaria em questão extrapola os limites de regulamentação do creditamento previstos no RICMS/SP, em desacordo com o princípio da reserva legal. Esse entendimento, inclusive, já foi firmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisões que reconheceram a impossibilidade de restringir o disposto no regramento do ICMS por meio de Portaria, discussão que tende a reacender quanto à Portaria SRE 45/2025.

Assim, embora o Estado de São Paulo sustente que as novas medidas seriam meros ajustes procedimentais com o intuito de coibir fraudes, o que se observa, na prática, é uma relevante supressão do direto constitucional dos contribuintes ao ressarcimento do ICMS. Diante desse cenário, ganham relevância as alternativas judiciais para resguardar não apenas o direito dos contribuintes, mas, principalmente, a competitividade dos estabelecimentos situados no Estado, assegurando maior celeridade na análise dos pedidos e mitigando os prejuízos causados pela demora administrativa.

O escritório P&R Advogados Associados coloca-se à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema.

Marcos Vinícius Riboli
Advogado na P&R Advogados Associados

1 TJSP, Apelação nº 1013834-65.2024.8.26.0405, Rel. Des. Mônica Serrano, julgada. 12/11/2024 e TJSP, Embargos de Declaração nº 1048676-94.2023.8.26.0053/50000, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, julgados em 11/09/2025

2 TJSP, Agravo de Instrumento nº 2310149-11.2024.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Barcellos, julgado em 06/03/2025

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