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13/10/2023

STJ fixa conceito de materiais intermediários para creditamento de ICMS

13/10/2023

Na última quarta-feira (11/10), a Primeira Seção do STJ concluiu o julgamento de Embargos de Divergência em que se discutia o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS sobre a aquisição dos chamados materiais intermediários de produção. A matéria, bastante controvertida, tanto no âmbito administrativo quanto judicial, foi agora pacificada na jurisprudência da Corte Superior, com desfecho favorável à tese de longa data sustentada pelos contribuintes. Antes de adentrar nos termos da decisão do STJ, explica-se, em linhas gerais, sobre o que exatamente versa essa discussão (a propósito, escrevi texto examinando a controvérsia em 2019, ver aqui).

O ICMS, como se sabe, é orientado pela não-cumulatividade. Ou seja, o contribuinte tem direito a aproveitar créditos sobre os insumos que adquiriu e que foram submetidos à tributação pelo imposto estadual em etapa anterior do ciclo produtivo, de modo a evitar a chamada “tributação em cascata” – o que acarreta o efeito perverso de onerar mais os produtos que tenham uma cadeia produtiva mais abrangente. Essa sistemática possui fundamento constitucional, conforme o art. 155, § 2º, inciso I, da CF/88, e está regrada, de modo mais específico, no âmbito da LC nº 87/96 (também por uma imposição constitucional, que reserva essa matéria à disposição por lei complementar).

A chamada Lei Kandir, embora preveja, no seu art. 20, o direito ao crédito de forma ampla, afastando-o apenas quanto às “mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento”, criou algumas restrições para o aproveitamento de créditos. Dentre elas está a vedação de aproveitamento sobre a aquisição de bens de uso e consumo, originalmente prevista até 1º/01/1998, mas objeto de sucessivas prorrogações, estando esse prazo, atualmente, fixado para 2033.

A constitucionalidade dessas restrições, é oportuno mencionar, foi discutida perante o STF. Não obstante, formou-se o entendimento de que a não-cumulatividade assegurada no texto constitucional comporta apenas o direito ao chamado “crédito físico”, isto é, compreende somente aqueles itens que fisicamente integram o produto final (na condição de matéria-prima). Naquilo que disso desbordar, o legislador complementar pode reconhecer o direito ao crédito (chamado “crédito financeiro”), mas pode também regrar esse direito, como fez em relação aos bens de uso e consumo.

De onde surge, então, a discussão envolvendo materiais intermediários? Ela se estabelece a partir do raciocínio de que a regra geral, na Lei Kandir, é a direito ao crédito, naquilo em que não houver expressa restrição. Daí a expressão bastante esclarecedora cunhada pelo Min. Joaquim Barbosa, em alguns de seus julgados, no sentido de que o regime de não-cumulatividade instaurado pela LC nº 87/96 é o de um “crédito financeiro mitigado”.

Os materiais intermediários são bens empregados no processo produtivo e a ele essenciais, mas que não se integram fisicamente ao produto final. Sob essa ótica, eles estão diretamente relacionados à atividade-fim – não se confundindo, assim, com bens de uso e consumo, estes relacionados à atividade-meio –, mas não são exatamente qualificados como matéria-prima.

Como a regra é a do direito ao crédito, naquilo em que não houver restrição, os contribuintes sustentam que a aquisição de produtos dessa natureza deveria permitir o aproveitamento. Os Fiscos estaduais, todavia, compreendem que tais materiais seriam qualificados como “bens de uso e consumo” e, frequentemente, glosam créditos adjudicados pelos contribuintes – normalmente sem qualquer embasamento técnico acerca da essencialidade e do modo de emprego desses produtos nos processos produtivos dos particulares.

No âmbito do STJ, havia uma divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas a respeito dos requisitos para que um bem confira direito a crédito. A Primeira Turma compreendia que a tomada de crédito sobre produtos intermediários não dependia de sua integração ao produto final. Já a Segunda Turma, por sua vez, ostentava posição mais restritiva, compreendendo ser necessária a integração do insumo ao produto final para que fosse possível o creditamento. Os Embargos de Divergência versavam, portanto, sobre esse ponto.

O julgamento do EREsp 1.775.781 teve início, na Primeira Seção do STJ, em 14/06/2023, com voto proferido pela Min.ª Relatora Regina Helena Costa, considerando “cabível o creditamento referente à aquisição de materiais empregados no processo produtivo, produtos intermediários, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa, é dizer, a essencialidade em relação à atividade-fim”. A Ministra adotou como mais correta, portanto, a posição da Primeira Turma.

O julgamento havia sido suspenso por pedido de vista do Min. Herman Benjamim, e foi retomado na quarta-feira. Em seu voto, o Ministro acompanhou a Min.ª Relatora, que também foi seguida, à unanimidade, pelos demais Ministros da Primeira Seção. Pacificou-se, desse modo, o entendimento mais favorável aos contribuintes quanto aos requisitos para o creditamento de ICMS sobre a aquisição de insumos.

É preciso dizer que há um contingente expressivo de demandas sobre essa matéria. Espera-se que esse entendimento passe a ser observado, não apenas nos Tribunais, mas também pela Administração Fazendária. A não-cumulatividade é um mecanismo importante de justiça tributária. Se, por um lado, as Fazendas Estaduais conseguiram eternizar a restrição ao direito de aproveitamento de créditos sobre bens de uso e consumo – objeto de sucessivas prorrogações desde a entrada em vigor da Lei Kandir e jamais implementado –, por outro, é preciso que se curvem precedente formado pelo STJ e acatem o entendimento de que materiais intermediários de produção não se confundem com bens de uso e consumo e permitem o aproveitamento de créditos pelos contribuintes.

O acórdão em questão ainda não foi publicado. O Escritório está atento ao tema e fica à disposição para qualquer esclarecimento a respeito da matéria.

Porto Alegre, 13 de outubro de 2023.

Luis Carlos Fay Manfra

Advogado na P&R Advogados Associados

 

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