Diante da proximidade do prazo para entrega da declaração e de realização do pagamento da primeira cota do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), referente ao exercício 2021, ano-calendário 2020, qual seja, a data de 31 de maio de 2021, a relevância do tema acerca das hipóteses de dedutibilidade das despesas dos contribuintes ganha enfoque.
Assim, antes de se analisar as discussões na esfera judicial relacionadas ao tema, é importante frisar que o IRPF, tributo de competência da União, incidirá sempre que houver a configuração da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, compreendido como produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; ou de proventos de qualquer natureza, que dizem respeito aos acréscimos patrimoniais não compreendidos pela renda.
Todavia, não será qualquer e indistinto acréscimo patrimonial capaz de atrair a incidência do tributo em questão. Isso, porque acréscimos derivados de indenizações, por exemplo, não se enquadram no referido conceito.
A base de cálculo do IRPF, por sua vez, fica estabelecida por meio do rendimento bruto auferido pelo contribuinte, com previsão legal no art. 3o da Lei no 7.713/88. Portanto, em curtas palavras, pode-se afirmar que rendimento bruto se refere ao total de renda e proventos percebidos pelo contribuinte em um determinado intervalo de tempo, sem ainda ter sido realizada qualquer e eventual dedução cabível. Dessa forma, Carrazza explica que:
“(…) Sendo a hipótese de incidência do IRPF auferir renda ou proventos de qualquer natureza, sua base de cálculo só pode ser o montante líquido de tais acréscimos de riqueza. É que só quando há tal montante líquido se pode falar em existência de riqueza nova no patrimônio do contribuinte. Chega-se a tal montante líquido abatendo-se da renda bruta os gastos necessários a obtê-la mais o mínimo vital, ou seja, a importância imprescindível para que a pessoa física possa adequadamente manter-se e a seus dependentes econômicos” [1].
Ocorre que, pelo fato de os contribuintes terem suas bases de cálculo distintas, isto é, perceberem rendimento bruto variável entre si, terão, consequentemente, alíquotas e parcelas a deduzir diferenciadas. Para tanto, Paulsen [2] afirma que “(…) a lei autoriza deduções da base de cálculo como as relativas a despesas com educação, observado o limite individual por dependentes, e a despesas médicas, estas sem limite de valor”.
No entanto, a partir dessa reflexão, torna-se questionável o motivo pelo qual os gastos com educação não podem ser deduzidos integralmente se, por outro turno, as despesas com saúde podem. A dúvida nasce em virtude de a própria Constituição Federal classificar ambos na condição de direito social fundamental e, como se percebe, receberem tratamento distinto.
Mas o que seriam essas deduções?
As deduções referem-se ao direito de o contribuinte abater da base de cálculo do IRPF gastos imprescindíveis para a sua subsistência e de seus dependentes, tais como com educação e saúde. Contudo, as deduções cabíveis e permitidas pela legislação ordinária, das quais serão realizadas pelo contribuinte — sujeito passivo da relação tributária —, ficarão sujeitas a comprovação ou justificação, a critério da autoridade lançadora.
Nesse mesmo sentido, Carneiro [3] destaca que “(…) serão necessariamente dedutíveis as despesas decorrentes do descumprimento pelo Estado de dever constitucionalmente lhe imposto”. Sendo assim, todos os deveres e obrigações que o Estado tem perante os cidadãos, e descumpre, deverão, necessariamente, ser passíveis de dedutibilidade em decorrência dos gastos do contribuinte para suprir tal carência.
Percebe-se, assim, que a educação, por ser uma questão de extrema importância social, deveria ser devidamente prestada pelo Estado, tendo em vista a sua imprescindibilidade para o desenvolvimento da pessoa humana, tendo como objetivo o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para exercer atividades laborais que compreendem o trabalho. Nesse contexto, Maliska [4] ressalta que “(…) a educação, desta forma, não seria apenas uma formação, mas uma condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural”.
Inclusive, o artigo 206 da Constituição Federal assegura aos cidadãos brasileiros — contribuintes do imposto sobre a renda — uma educação pública em todos os níveis, com padrão de qualidade.
No entanto, infelizmente, a educação pública fornecida no Brasil está ainda muito longe no quesito qualidade se comparada aos países de primeiro mundo, conforme aponta o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), não estando, inclusive, disponível a todos cidadãos brasileiros. Ademais, os professores não são devidamente valorizados a nível salarial, sendo que as escolas públicas em geral não possuem a infraestrutura adequada para atender aos alunos.
Diante de tal cenário, muitos cidadãos brasileiros se esforçam ao máximo para tentar proporcionar um ensino de qualidade aos seus filhos e dependentes, isto é, por meio de instituições de educação particulares, ou seja, pagas pelo próprio contribuinte.
Assim, constata-se que uma série de dispositivos constitucionais não vem sendo devidamente observado pelas autoridades governamentais e, além disso, para agravar a situação, o próprio legislador impõe limites para a dedutibilidade com os gastos em educação, isto é, com creches, ensino infantil, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, cursos de graduação e pós-graduação, entre outras modalidades.
Ademais, além da referida limitação, constata-se que o valor elencado para a referida dedutibilidade, encontra-se fixado, desde 2015, no patamar individual de R$ 3.561,50, por ano, conforme previsto por meio do artigo 8º, II, “b”, 10, da Lei nº 9.250/95, valor este que está em completa dissonância com as despesas com educação enfrentadas anualmente.
Apenas em sede comparativa, cabível destacar que os gastos com a saúde são integralmente dedutíveis, sendo que ambos — educação e saúde — são direitos sociais assegurados pela Constituição Federal. Nesse contexto, não haveria razão para que direitos considerados iguais e fundamentais tenham tratamento diferenciado.
Note-se que a saúde pública, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), não é capaz de atender adequadamente a todos os cidadãos brasileiros. Então, aqueles que possuem melhores condições financeiras acabam optando por contratar planos de saúde particulares. E, em razão disso, os gastos com a saúde podem ser deduzidos integralmente pelos contribuintes, conforme disposto no artigo 8º, II, “a”, da Lei nº 9.250/95.
Em contrapartida, os gastos do contribuinte com educação, para si e para seus dependentes, não podem ser deduzidos integralmente, mesmo não conseguindo a educação púbica brasileira atender a todos os cidadãos, bem como não refletindo a preferência da população, tendo em vista as precárias condições oferecidas pelo ensino público. Assim, é possível verificar que há tratamento diferenciado pela legislação ordinária para duas questões que são consideradas imprescindíveis para a vida humana.
Destaca-se que, não são todas as despesas que são passíveis de dedução, tais como: alimentação, transporte e vestuário. Porém, nas palavras de Machado [5], “(…) o legislador nem poderia vedar a dedução de certas despesas, ou limitar os seus montantes dedutíveis, pois isto implicaria em tributar o que não é renda”.
Desse modo, é possível afirmar que o direito à dedução dos gastos no IRPF ocorre tão somente em decorrência da má prestação de um serviço devido pelo Estado, isto é, do inadimplemento estatal para com um dever de prestação em caráter social que enseja, consequentemente, uma despesa desnecessária por parte do cidadão, como no caso a educação.
Conforme exposto anteriormente, os limites de dedutibilidade com os gastos em educação encontram-se totalmente defasados e não correspondem aos efetivos gastos com instrução pelos contribuintes. Em razão disso, o princípio da capacidade contributiva, bem como o direito fundamental à educação restam completamente violados.
Tendo em vista essa situação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em março de 2013, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4927) questionando dispositivos da Lei 9.250/1995 — com a redação dada pela Lei 12.469/2011 — que estabelecem limites de dedução no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) de despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes. A entidade alegou, ainda, que a imposição de limites reduzidos de dedutibilidade com gastos em educação viola o conceito de renda, capacidade contributiva e, principalmente, do direito à educação.
No entanto, o objeto da referida ação não é a questão propriamente dita da imposição do limite de dedução dos gastos com educação, mas, sim, a objeção contra o fato de o valor dedutível não ser condizente com a realidade. Assim, questionam-se os itens 7, 8 e 9 do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95, que fixaram os limites para dedução dos gastos com educação.
A referida ação encontra-se até o presente momento pendente de julgamento, isto é, há mais de oito anos, motivo pelo qual ainda não restou sedimentado pela Suprema Corte se os limites de dedutibilidade com os gastos em educação, impostos pela legislação ordinária, são inconstitucionais ou não.
Espera-se, assim, que a Suprema Corte, exercendo o controle de constitucionalidade que lhe compete privativamente, declare a inconstitucionalidade da limitação da dedutibilidade com os gastos em educação e corrija esta situação que impacta diretamente no desenvolvimento da educação no país, bem como nas economias dos contribuintes do IRPF.
Rafael Haetinger Silber
Advogado na Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados
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[1] CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.71.
[2] PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.76.
[3] CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. A inconstitucionalidade do limite de dedução dos gastos com educação no imposto de renda pessoa física. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.203, p.32-53, ago. 2012. p.33.
[4] MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001. p.157.
[5] MACHADO, Hugo de Brito. O conceito legalista de renda. [2010?]. Disponível em: <www.professorsabbag.com.br/arquivos/downloads/1305755529.pdf>. Acesso em: 15 maio 2015.