No final do ano de 2023, o Governo Federal adotou algumas medidas amargas aos contribuintes. Nesse pacote, que abrangeu a reoneração da folha de salários e a restrição ao aproveitamento de créditos decorrentes de decisões judiciais, foi editada a Medida Provisória 1.185/2023, convertida na Lei 14.789/2023, dispondo sobre o tratamento a ser conferido, para fins de apuração de alguns tributos federais, sobre as chamadas subvenções de investimento.
Aqueles que acompanham o cotidiano do Direito Tributário sabem que essa temática não é nova. Durante muito tempo, discutiu-se a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS, controvérsia que, em grande parte, foi motivada pelo fato de que União só admitia a exclusão, da base desses tributos, para as chamadas subvenções de investimento, conforme requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014. Com base nessa norma, os créditos presumidos concedidos em sede das chamadas subvenções de custeio sofriam a incidência.
Em novembro de 2017, adveio a LC 160/2017, que incluiu os §§ 4º e 5º no referido art. 30 da Lei 12.973/2014, de modo a estabelecer que todos os benefícios e incentivos concedidos em relação ao ICMS seriam considerados subvenções para investimento, e que a sua exclusão da base do IRPJ e da CSLL não se submeteria a nenhum outro requisito para além dos estabelecidos no mesmo artigo. Ou seja, com essa modificação legislativa, criou-se uma presunção de que todos os benefícios de ICMS seriam considerados subvenções para investimento e poderiam ser excluídos da base de cálculo dos tributos federais em questão, desde que observados os requisitos do art. 30.
Paralelamente a isso, a contenda judicial envolvendo essa matéria culminou no julgamento do ERESP 1.517.492/PR, pela Primeira Seção do STJ, após o STF declinar de apreciar a matéria por considerá-la de índole infraconstitucional, no Tema 957. No caso, o STJ concluiu que, crédito presumido do ICMS não deveria compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente dos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014.
O fundamento desse julgado foi o de que admitir a tributação, pela União, dessas grandezas econômicas, significaria admitir interferência na política fiscal adotada por Estado-Membro, em ofensa ao princípio federativo e à segurança jurídica. O crédito presumido é uma moeda escritural concedida pelo Estado ao contribuinte, ou seja, é uma grandeza positiva, que pode ser usada, conforme condições estabelecidas pelo próprio Ente que a concede, para adimplir o tributo estadual. Evidentemente que esse “ingresso” acarreta um efeito econômico positivo em termos de resultado e, havendo incremento, discutiu-se se essa parcela poderia ser captada pela incidência do IRPJ e da CSLL (que incidem, grosso modo, sobre a materialidade lucro). A conclusão, como visto, foi negativa, e fundou-se nas razões acima mencionadas, isto é, porque significaria admitir que a União pudesse capturar, economicamente, parcela de um benefício fiscal concedido pelo Estado aos seus contribuintes, gerando uma invasão de um Ente Federado na esfera de outro.
A discussão ganhou um novo capítulo quando os contribuintes passaram pleitear, com base nessa mesma lógica, que os demais incentivos ficais relacionados ao ICMS (isenções, reduções de base de cálculo etc.) fossem excluídos da base dos aludidos tributos federais, face à já mencionada presunção, implementada pela LC 160/2017 nos §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei 12.973/2014, de que todos os benefícios relativos ao ICMS seriam subvenções de investimento.
A matéria, então, foi julgada pelo STJ no Tema 1.182, oportunidade em que a Corte concluiu não se aplicar aos demais benefícios de ICMS o mesmo entendimento formado no ERESP 1.517.492/PR quanto ao crédito presumido. Ou seja, para os demais benefícios, seria necessário observar os requisitos do art. 30, ao passo que, para o crédito presumido, esses requisitos não se aplicariam (escrevemos sobre o tema em abril do ano passado, ler aqui).
Em síntese, o cenário, até então, era o seguinte: (i) créditos presumidos de ICMS não comporiam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, fossem eles de custeio ou de investimento, e independentemente dos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014; (ii) demais benefícios de ICMS poderiam ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que observados os requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014.
Com a Lei 14.789/2023, o art. 30 foi inteiramente revogado, instaurando-se uma nova orientação quanto ao tratamento a ser dado aos benefícios fiscais, que, em linhas gerais, passaram a ser tratados como créditos na apuração dos tributos federais. Em tese, portanto, as exclusões da base do IRPJ e da CSLL que estivessem amparadas no art. 30, passam, agora, a se submeter ao novo regramento. Isso, todavia, não altera a premissa já definida judicialmente pelo STJ quanto aos créditos presumidos de ICMS no ERESP 1.517.492/PR, porque o fundamento para a exclusão, nesse ponto, foi distinto.
Diante desse contexto, o alerta é de que é preciso avaliar com cuidado cada situação. Muitas decisões judiciais, por exemplo, mesmo tratando de créditos presumidos de ICMS, condicionaram sua fruição aos termos do art. 30 da Lei 12.973/2014. É necessário, portanto, analisar qual a espécie de benefício, quais as suas características e, se havia amparo em alguma decisão judicial pretérita, quais os termos dessa decisão. Ainda há de se aguardar, igualmente, como se comportará a Fazenda Nacional.
O escritório está acompanhando o tema atentamente e fica à disposição para eventuais esclarecimentos.
Porto Alegre, 19 de janeiro de 2024.
Luis Carlos Fay Manfra
Advogado na P&R Advogados Associados.