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28/04/2023

IRPJ e CSLL sobre benefícios de ICMS: STJ julga tema 1.182 e dúvidas persistem

28/04/2023

Na última quarta-feira (26/04), a Primeira Seção do STJ julgou o Tema nº 1.182 dos recursos repetitivos, cuja controvérsia consiste em definir se os benefícios fiscais do ICMS concedidos pelos Estados (tais como isenção, redução de base de cálculo, entre outros) podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, com base no mesmo entendimento firmado pelo Tribunal no ERESP 1.517.492/PR acerca do crédito presumido.

O tema, que, por si, já não era simples, acabou ganhando mais uma camada de complexidade em razão de decisão cautelar proferida pelo Min. André Mendonça no âmbito do RE 835.818, que determinou a suspensão do julgamento do STJ ou a suspensão da eficácia da decisão (se levado a cabo o julgamento), por compreender que haveria prejudicialidade da matéria em razão do caso que tramita no STF, ainda pendente de conclusão.

Diante desse contexto, o objetivo deste artigo é o de tentar esclarecer o que foi decidido pelo STJ, quais os fundamentos da decisão e qual a relação (ou a falta dela) com o Tema 843 do STF.

Antes de adentrar especificamente na análise do julgamento de quarta-feira, é necessário contextualizar a discussão. Em 2017, a mesma Primeira Seção do STJ julgou o ERESP 1.517.492/PR, no qual firmou o entendimento de que o crédito presumido do ICMS não deve compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. E o fundamento desse julgado foi o de que admitir a tributação, pela União, dessas grandezas econômicas, significaria admitir interferência na política fiscal adotada por Estado-Membro, em ofensa ao princípio federativo e à segurança jurídica. O crédito presumido é uma moeda escritural concedida pelo Estado ao contribuinte. Ou seja, é uma grandeza positiva, que pode ser usada, conforme condições estabelecidas pelo próprio Ente que a concede, para adimplir o tributo estadual. Evidentemente que esse “ingresso” acarreta um efeito econômico positivo em termos de resultado. E havendo incremento, discutiu-se se essa parcela poderia ser captada pela incidência do IRPJ e da CSLL (que incidem, grosso modo, sobre a materialidade lucro). A conclusão, como visto, foi negativa, e fundou-se nas razões acima mencionadas, isto é, porque significaria admitir que a União pudesse capturar, economicamente, parcela de um benefício fiscal concedido pelo Estado aos seus contribuintes, gerando uma invasão de um Ente Federado na esfera de outro.

Essa discussão esteve, em grande parte, influenciada pelo fato de que União só admitia a exclusão, da base desses tributos federais, para as chamadas subvenções de investimento, conforme requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014. Portanto, os créditos presumidos concedidos em sede das chamadas subvenções de custeio sofriam a incidência, e isso deu ensejo à discussão que culminou no ERESP 1.517.492/PR. Ocorre que, em novembro de 2017, a LC 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º no referido art. 30, os quais dispuseram que todos os benefícios e incentivos concedidos em relação ao ICMS são considerados subvenções para investimento, e que a sua exclusão da base do IRPJ e da CSLL não se submete a nenhum outro requisito para além dos estabelecidos no mesmo artigo.

A par disso, muitos contribuintes foram ao Judiciário argumentando que essas novas disposições detêm caráter interpretativo e de que, portanto, os demais incentivos deveriam ser também excluídos da base dos aludidos tributos federais (alguns, inclusive, pleiteando que a aplicação deveria ocorrer retroativamente a 2014), face à presunção de que todos os benefícios relativos ao ICMS são subvenções de investimento. Ocorre que, com o passar do tempo, a discussão acabou ganhando um outro contorno, no sentido de se buscar afastar a tributação federal dos demais benefícios sem submissão aos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014, com base no mesmo fundamento ERESP 1.517.492/PR.

Nesse contexto, e retornando ao julgamento, o Min. Relator, Benedito Gonçalves, buscou esclarecer que “a controvérsia não consiste em saber se os benefícios fiscais de ICMS serão ou não tributados pelo imposto de renda e contribuição social, mas se a exclusão desses benefícios da base de cálculo dos tributos federais precisará ou não da observância do cumprimento das condições e requisitos previstos em lei”. Seguindo essa linha, a Primeira Seção traçou uma distinção entre o crédito presumido e os demais benefícios, decidindo que o fundamento do ERESP 1.517.492/PR não se estende aos últimos, precisando esses, para serem excluídos da base do IRPJ e da CSLL, submeterem-se aos requisitos do art. 30.[i]

Ocorre que, embora seja possível apreender o que foi decidido pelo STJ,[ii] a grande questão, e que não foi enfrentada, consiste em saber de que modo essa decisão será operacionalizada, considerando-se que, diferentemente do crédito presumido, que é um “ingresso”, os benefícios fiscais como isenção e redução de base de cálculo são, em verdade, uma “não despesa”. Para isso, ainda não se tem uma resposta e o tema certamente precisará de maior debate.

Por fim, quanto à prejudicialidade em relação ao Tema 843 do STF, merece destaque o fato de que o referido caso trata da incidência de PIS e COFINS sobre crédito presumido. Tais contribuições têm como materialidade o faturamento, e não o lucro. E a decisão lá desenhada (todos os votos já foram proferidos e formou-se um placar de 6×5 pela não incidência, não tendo o julgamento tendo sido concluído em razão de pedido de destaque feito por um dos Ministros) parte da premissa de que créditos presumidos, embora sejam ingressos, não conformam o conceito constitucional de faturamento. Ou seja, quer parecer que o fundamento enfrentado naquele caso é diverso daquele que embasou o ERESP 1.517.492/PR e do que esteve em julgamento no Tema 1.182. De todo modo, fato é que o Min. André Mendonça compreendeu haver relação entre as matérias.

Em suma, o que se pode afirmar até o momento é que o STJ distinguiu as situações do crédito presumido e dos demais benefícios (como isenção, redução de base de cálculo, diferimento, entre outros) e decidiu que, quanto aos últimos, é necessária a observância do art. 30 da Lei 12.973/2014. Entretanto, conforme referido acima, não é possível saber exatamente quais os efeitos dessa decisão na prática. A forma de se operacionalizar essa “exclusão” não foi debatida e se trata de questão extremamente complexa, a respeito da qual ainda se deve ter muitos desdobramentos.

Luis Carlos Fay Manfra,

Advogado na P&R Advogados Associados.

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[i] Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: (Vigência)
I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou
II – aumento do capital social.

[ii] A propósito, a tese do julgamento restou fixada nos seguintes termos:
1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e artigo 30 da Lei 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu parágrafo 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou à expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

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