Os limites estabelecidos pela Medida Provisória (MP) n° 1.202/23 à compensação entre créditos e débitos relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil levantam diversos questionamentos pelos contribuintes, que veem grande possibilidade de judicialização ainda no início de 2024, sobretudo com a recente regulamentação do tema pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda (MF) n° 14/24.
A principal limitação que os contribuintes passarão a enfrentar a partir da MP n° 1.202/23 está no prazo para compensação dos créditos decorrentes de decisão judicial definitiva e débitos tributários, o que dependerá do valor total do crédito de cada empresa. Ao regulamentar essa limitação, a Portaria Normativa MF n° 14/24 enquadrou os créditos em seis faixas de compensação, com um respectivo prazo mínimo mensal para compensação.
Com isso, para as empresas cujos créditos totalizem entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, por exemplo, o prazo mínimo para compensação varia de 20 a 60 meses. Por sua vez, os créditos inferiores a R$ 10 milhões não estão submetidos a esse limite mensal, que só atinge os contribuintes com elevado saldo credor. Para ilustrar, veja a tabela abaixo:
Valor total do crédito | Prazo mínimo para compensação |
De R$ 10 milhões a R$ 99.999.999,99 | 12 meses |
De R$ 100 milhões a R$ 199.999.999,99 | 20 meses |
De R$ 200 milhões a R$ 299.999.999,99 | 30 meses |
De R$ 300 milhões a R$ 399.999.999,99 | 40 meses |
De R$ 400 milhões a R$ 499.999.999,99 | 50 meses |
Igual ou superior a R$ 500 milhões | 60 meses |
Isso significa que os créditos tributários que superam R$ 10 milhões não podem ser imediatamente compensados com débitos em aberto, pois, para tanto, o contribuinte deve respeitar o prazo mínimo correspondente ao valor total de seu crédito. Na prática, os créditos superiores a R$ 10 milhões devem ser compensados de forma “parcelada” pelo contribuinte, que, mesmo tendo crédito suficiente – e reconhecido pelo Judiciário –, terá que desembolsar o valor que exceder o teto para quitar seu débito.
Nesse panorama, são diversos os pontos problemáticos que podem ser identificados. De antemão, é nítido que essa limitação mensal afetará o fluxo de caixa dos contribuintes, que precisarão adequar seu planejamento orçamentário a uma nova restrição à compensação dos créditos que já foram judicialmente reconhecidos – possivelmente após anos de litígio.
Além disso, a redação do art. 1º, § 1º, da Portaria Normativa MF n° 14/24, é dúbia quanto ao crédito que está submetido às limitações previstas nos incisos, eis que não está claro se os limites à compensação se referem ao crédito total derivado de cada processo judicial que o reconhece ou ao crédito total que a pessoa jurídica possui, abarcando a soma de todos os créditos reconhecidos em juízo. Isso é relevante porque os pedidos de compensação são feitos isoladamente, processo por processo.
Outro ponto de debate diz respeito ao momento a partir do qual os créditos estarão sujeitos à limitação mensal instituída pela MP n° 1.202/23, uma vez que não é razoável admitir que os limites à compensação atinjam créditos oriundos de ações transitadas em julgado.
Diante desse contexto, denota-se que a discussão acerca das limitações à compensação entre créditos e débitos federais engloba múltiplos conceitos jurídicos complexos, como ofensa à coisa julgada, vedação ao enriquecimento ilícito, incidência de correção pela Selic, proteção à segurança jurídica, inobservância ao princípio da legalidade, dentre outros, o que certamente ensejará judicialização.
Vale sinalizar que a MP precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias para se tornar definitiva, de modo que suas disposições ainda estão sendo discutidas no Planalto. Em meio a esse cenário de incertezas, os contribuintes devem permanecer atentos e diligentes para que seus direitos legais e constitucionais sejam assegurados.
A P&R Advogados Associados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos acerca da matéria, bem como para tomar as medidas cabíveis aos interessados.
Giulia Scheuermann
Advogada na P&R Advogados Associados