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05/05/2023

CAUTELAR DO STF QUE SUSPENDIA JULGADO DO STJ É REVOGADA E DEIXA MÁS IMPRESSÕES

05/05/2023

Conforme noticiado na última semana (ler aqui), a Primeira Seção do STJ julgou, no dia 26/04, o Tema nº 1.182 dos recursos repetitivos, cuja controvérsia consistia em definir se os benefícios fiscais do ICMS concedidos pelos Estados (tais como isenção, redução de base de cálculo, entre outros) podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, com base no mesmo entendimento firmado pelo Tribunal no ERESP 1.517.492/PR acerca do crédito presumido.

O caso ganhou um contorno inusitado quando, no início do julgamento, noticiou-se aos Ministros da Corte Superior, da Tribuna, que o Min. André Mendonça havia proferido uma decisão cautelar no âmbito do RE 835.818 (Tema 843), determinando a suspensão do julgamento ou, caso ele ocorresse, a suspensão da eficácia da decisão.

De certo modo, houve algum desconforto institucional, na medida em que não se tem notícia de uma intervenção dessa ordem por parte de um membro de uma das Cortes na esfera da outra. Embora haja hierarquia entre ambos os Tribunais sob uma certa ótica, há também uma diferenciação de suas competências, no sentido de que o STJ examina matéria infraconstitucional e o STF examina matéria constitucional. O fato de que possa haver conclusões diversas sobre um mesmo caso em ambos os Tribunais, bem como de que quem tem a última palavra é a Suprema Corte, já que examina os temas à luz da Constituição, é algo natural e até corriqueiro no nosso sistema jurídico. Todavia, é no mínimo inovador que se tenha uma determinação de suspensão de um julgamento específico a ser realizado no STJ por um Ministro do STF.

Depois de proferida essa decisão, todavia, o Min. André Mendonça entendeu por reconsiderá-la, sob o fundamento de perigo de dano inverso. O que significa isso? Em termos não estritamente técnicos, significa dizer que, após uma análise das consequências da cautelar, compreendeu-se que os danos a serem sofridos por aquele que teve a medida deferida contra si acabam por superar (em extensão ou intensidade) os danos que aquele que pediu a medida teria no caso da sua não concessão. Ou seja, conclui-se ser pior deferir do que não deferir.

No caso concreto, após examinar manifestação da União e de receber representação da Fazenda Nacional em audiência (isso está referido na decisão, por isso é aqui mencionado), compreendeu o Min. que, face “ao montante pecuniário discutido nessa matéria perante todo o Judiciário brasileiro e ao potencial arrecadatório resultante da pacificação da controvérsia”, fazia-se necessário revogar a cautelar, sob pena de grave lesão ao Erário Federal. Na sua visão, o argumento da União seria plausível, tanto em razão (i) do montante em jogo, quanto em razão de que (ii) o julgamento do STJ delimitou adequadamente a matéria e de que (iii) as partes afetadas naquele julgamento ainda poderão acessar o STF em recurso próprio, caso assim entendam.

Entretanto, o que chama à atenção é que o Min. também manteve expressamente sua posição original quanto à existência de relação entre as matérias e quanto à insegurança jurídica causada pela potencialidade de julgamentos conflitantes entre os dois Tribunais. Ele flexibilizou essa convicção em face dos argumentos trazidos pela União, e com bastante ênfase para o argumento de que, “represar” o andamento de processos com decisões até então favoráveis aos contribuintes para permitir abatimentos sem a necessidade de observância aos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014 significaria gerar prejuízos ao Erário Federal. Todavia, falando-se em dano inverso, se essa posição vier a ser revista pelo STF, também se poderá falar em prejuízo aos contribuintes, que bem ou mal, seguem as decisões judiciais que possuem (ou ao menos deveriam), arcando com as consequências disso (a propósito, os Temas 881 e 885 foram implacáveis).

Em suma, e sem nenhum juízo de valor sobre a correção ou a incorreção da decisão aqui examinada, o fato é que ela parece transmitir a mensagem de que, entre segurança jurídica e segurança orçamentária, prevaleceu esta última. Do ponto de vista da prestação da jurisdição, nada de bom parece ter advindo dessas duas decisões. Determinou-se a suspensão de um julgamento, que ocorreu mesmo assim, e porque ocorreu, concluiu-se que a decisão talvez não tivesse sido necessária, bem como que a sua manutenção, por gerar prejuízos ao Erário, não poderia se prolongar. Na teoria, é como se a cautelar não tivesse sido proferida (já que foi revogada); na prática, ela existiu e deixou más impressões.

Luis Carlos Fay Manfra,

Advogado na P&R Advogados Associados.

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