Artigos |

14/04/2022

Cláusulas de Earn-Out em operações de M&A e reflexos tributários

14/04/2022

As operações de fusões e aquisições têm crescido cada vez mais no mercado brasileiro e uma das principais discussões que envolvem estas transações é o preço de compra. Um mecanismo bastante adotado é a chamada cláusula de earn-out, que corresponde à parcela do preço de aquisição condicionada à performance futura da empresa alvo.

A utilização de um preço contingente serve para condicionar uma parcela do pagamento a um evento futuro e incerto que, geralmente, está vinculada ao desempenho da sociedade adquirida nos anos subsequentes. Esta cláusula é uma estratégia para solucionar a dificuldade enfrentada pelas partes de chegar a um consenso quanto ao preço de aquisição, pois é uma forma eficiente de se equilibrar as expectativas das partes quanto ao negócio e ao futuro da empresa alvo.

Todavia, a utilização do earn-out gera efeitos tributários relevantes e distintos, tanto para os compradores quanto para os vendedores, e, por isso, é importante analisar tais impactos antes mesmo de sua avença. A legislação tributária, apesar de dispor sobre os efeitos tributários deste mecanismo na Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017, não os prevê de forma clara.

Além disso, os tribunais e as autoridades fiscais ainda não possuem um entendimento definido sobre o tema, de forma que não é possível descartar o risco de questionamento quanto ao tratamento fiscal a ser dado às regras de earn-out. Todavia, há fortes argumentos jurídicos no sentido de que a mera forma de contabilização desses valores não tem o condão de determinar exclusivamente o tratamento fiscal a ser adotado.

Portanto, há diversos impasses no que tange aos efeitos tributários decorrentes das cláusulas de earn-out, como a possibilidade de consideração da parcela contingente no custo de aquisição para determinação do goodwill, o alinhamento entre as regras contábeis e as regras tributárias, e o momento da tributação de tais valores para fins de ganho de capital por parte do vendedor.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis 15 determina que o valor da parcela contingente deve ser considerado, para fins de determinação do custo de aquisição, na data da operação. No entanto, a aplicação de tal racional para fins de tributação, afronta o princípio da realização da renda, uma vez que implica na imputação de efeitos tributários sobre meras expectativas de valor baseadas em critérios de mensurabilidade aceitos contabilmente e com base em premissas que podem não se confirmar dentro de um determinado prazo. Desta forma, ainda que a data da operação seja aceita em termos contábeis, afronta diretamente o princípio da capacidade contributiva, pois não é possível gerar efeitos tributários com base em uma presunção, fundamentada na estimativa de um resultado desconhecido.

Em suma, cláusulas de earn-out em contratos de M&A podem e devem ser utilizadas como um mecanismo para assessorar o comprador e o vendedor na definição do preço de aquisição em determinados casos, pois permite um maior equilíbrio entre as expectativas e os riscos de cada uma das partes quanto ao negócio em si. A estruturação ideal, no entanto, deve ser elaborada e planejada caso a caso, considerando as peculiaridades da operação e o interesse das partes, assim como os reflexos jurídicos e tributários incidentes.

Flávia Leivas da Rosa,

Sócia na Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados. 

Compartilhar