O Convênio 26/2021, de março deste ano, promoveu algumas alterações relevantes no anterior Convênio 100/97, que autoriza os Estados a concederem benefícios fiscais (notadamente isenções e reduções de base de cálculo) para as operações envolvendo, de um modo geral, insumos agrícolas e agropecuários. Essas alterações passarão a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2022, o que deixa muitos contribuintes do setor do agronegócio apreensivos, sobretudo em razão de ainda não haver regulamentação nos regramentos internos de alguns Estados. Nesta breve análise, pretende-se examinar, de modo sistemático, quais são as alterações e indicar alguns aspectos que demandam especial atenção.
A primeira observação a se fazer é a de que os pontos de modificação envolvem, majoritariamente, as operações com fertilizantes e suas matérias-primas. Portanto, o tratamento dos defensivos agrícolas, por exemplo, não sofreu alterações.
Atualmente, o Convênio 100/97 prevê, basicamente, dois cenários para os fertilizantes e seus insumos: (i) autorização para isenção ou redução de base de cálculo em operações internas (Cláusula Terceira), benefícios que podem, ou não, serem concedidos pelo Estado competente; e (ii) previsão de redução de base de cálculo nas saídas interestaduais, a qual é de 60% para alguns produtos (Cláusula Primeira, inciso II)¹ e de 30% para outros (Cláusula Segunda, inciso III)².
O Convênio 26/2021, por sua vez, revoga essas hipóteses de redução de base de cálculo e, em substituição, insere a Cláusula Terceira-A no Convênio 100/97, dispondo que “fica reduzida a base de cálculo do ICMS, de forma que a carga tributária seja equivalente a aplicação do percentual de 4% (quatro por cento) sobre o valor da operação nas importações e nas saídas internas e interestaduais” dos produtos que especifica (os mesmos até então submetidos às reduções de 60% e 30%).
Um primeiro (e importante) ponto de atenção é o de que, como foram expressamente revogados o inciso II da Cláusula Primeira e o inciso III da Cláusula Segunda, a autorização para a concessão de isenção e redução de base de cálculo em operações internas com esses produtos também ficou revogada, uma vez que a Cláusula Terceira – que prevê a possibilidade de concessão desse benefício – apenas faz remissão aos dispositivos das Cláusulas anteriores: “ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder às operações internas com os produtos relacionados nas cláusulas anteriores, redução da base de cálculo ou isenção do ICMS”.
Objetivamente, o Convênio 100/97 passa a conferir o mesmo tratamento às operações de importação, de saída interna e de saída interestadual com esses produtos: redução de base de cálculo, nos termos da nova Cláusula Terceira-A. Mas essa redução não implicará, de imediato, a carga tributária de 4%. Esta só será alcançada em 2025. Até lá, o Convênio 26/2021 prevê, em sua Cláusula Segunda, uma evolução anual nos percentuais do benefício para cada tipo de operação. O quadro abaixo permite melhor ilustrar o cenário para o próximo ano:
Alguns Estados já internalizaram essas disposições. São Paulo, por exemplo, editou o Decreto nº 66.054 ainda em setembro deste ano. Mato Grosso editou o Decreto nº 932, no mês de maio. Mais recentemente, o Estado do Rio Grande do Sul editou o Decreto nº 56.227, do dia 07 de dezembro. Outros, como os Estados do Paraná e da Bahia, ainda não dispuseram especificamente sobre o tema em seus regramentos internos.
Sobre isso, convém referir que, em alguns Estados, essas regulamentações costumam ocorrer ao “apagar das luzes” do ano e, em certos casos, podem até vir no ano seguinte, mas com efeitos retroativos – retroatividade que, frise-se, é inconcebível para fins de majoração de carga tributária.
A fruição dos benefícios fiscais previstos em Convênio, a rigor, depende de internalização no regramento estadual. O Convênio, isoladamente, não concede o benefício fiscal; ele constitui um pressuposto para que o benefício seja concedido pelo Ente competente. Com efeito, não se ignora o teor do art. 4º da LC nº 24/75, que prevê prazo para a ratificação mediante Decreto do Poder Executivo e a hipótese de ratificação tácita. Não obstante, a mais recente orientação jurisprudencial sobre o tema indica a necessidade de internalização expressa pelos Estados – inclusive por ato do Poder Legislativo, como decidido recentemente pelo STF na ADI nº 5929/DF, julgada em fevereiro de 2020.³
É necessário observar, para esse tema em específico, as particularidades do regramento de cada Ente da Federação. Há, por exemplo, situações em que o Convênio 26/2021 implicará a instituição de benefício mais vantajoso do que aquele já existente. Por outro lado, há, também, casos em que ele acarretará majoração da carga tributária sobre determinada operação. Essa e outras diversas variáveis possíveis precisam ser examinadas, como dito, em face dos regramentos dos respectivos Estados – de modo a se verificar o atendimento à legalidade, à anterioridade e a outras garantias.
O Escritório permanecerá atento ao tema e fica à disposição para qualquer esclarecimento.
Luis Carlos Fay Manfra
Advogado Tributarista
¹ Cláusula primeira Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:
[…]
II – ácido nítrico e ácido sulfúrico, ácido fosfórico, fosfato natural bruto e enxofre, saídos dos estabelecimentos extratores, fabricantes ou importadores para:
a) estabelecimento onde sejam industrializados adubos simples ou compostos, fertilizantes e fosfato bi-cálcio destinados à alimentação animal;
b) estabelecimento produtor agropecuário;
c) quaisquer estabelecimentos com fins exclusivos de armazenagem;
xd) outro estabelecimento da mesma empresa daquela onde se tiver processado a industrialização;
² Cláusula segunda Fica reduzida em 30% (trinta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:
[…]
III – amônia, uréia, sulfato de amônio, nitrato de amônio, nitrocálcio, MAP (mono-amônio fosfato), DAP (di-amônio fosfato), cloreto de potássio, adubos simples e compostos, fertilizantes e DL Metionina e seus análogos, produzidos para uso na agricultura e na pecuária, vedada a sua aplicação quando dada ao produto destinação diversa.
³ Na prática, mesmo sendo o benefício internalizado mediante Decreto do Poder Executivo, isso costuma se consolidar no tempo, pois, por motivos óbvios, não há, via de regra, questionamento pelos contribuintes (beneficiados). A questão ganha complexidade quando se tem uma revogação do benefício mediante Decreto. Nessas situações, há discussão acerca da necessidade, ou não, de lei, diante do que dispõem a CF/88 e o CTN (mesmo que a instituição tenha se dado via Decreto).