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14/08/2020

Imunidade de ICMS não vale para toda cadeia de exportação

13/08/2020

Decisão do STF autoriza cobrança de fornecedores de insumos e matérias-primas

Por Joice Bacelo e Marta Watanabe

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) poderá elevar os custos dos exportadores. Os ministros entenderam que a isenção de ICMS prevista para as exportações não vale para a etapa anterior, que envolve a produção das mercadorias. Fornecedores de insumos e matérias-primas devem recolher o imposto estadual.

Os ministros se posicionaram desta forma ao julgar recurso que discutiu a tributação sobre embalagens. A tese por eles fixada — que servirá de orientação para as demais instâncias — ficou, porém, mais abrangente. O texto trata de “operações e prestações anteriores à exportação”, de maneira genérica, e não somente das embalagens.

O entendimento deve elevar o custo do resíduo de impostos acumulados no processo de produção, segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Esse resíduo, diz, equivale, em média, a 7,2% do custo de produção dos bens destinados à exportação. O Reintegra, lembra ele, programa pelo qual o exportador consegue se ressarcir de parte desse resíduo, é atualmente de apenas 0,1% sobre o faturamento resultante da exportação.

Isso atinge o exportador no momento em que o nível de embarques da indústria cai. Castro ressalta que a exportação de manufaturados caiu cerca de 40% de janeiro a julho deste ano, na comparação com igual período do ano passado. A pandemia, que reduziu a demanda dos mercados internacionais, certamente contribuiu para isso, pondera.

Para Castro, a expectativa era de que o STF seguisse as decisões favoráveis já existentes sobre frete. A questão, diz ele, é que em vários produtos, como alimentos, por exemplo, a embalagem faz parte do produto e é imprescindível à sua comercialização.

Segundo o advogado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base na Lei Kandir, prevê a isenção do imposto sobre as operações de frete de mercadorias destinadas ao exterior.

Uma das mais recentes nesse sentido foi proferida em junho de 2019. A 2ª Turma permitiu que não fosse cobrado ICMS sobre o transporte interestadual das mercadorias (REsp nº 1292371).

Há receio, no meio jurídico, no entanto, de que a decisão do Supremo, emitida agora, influencie nos julgamentos do STJ sobre esse tema — o que seria ainda pior para as empresas exportadoras.

E isso poderá ocorrer também nos tribunais estaduais. Alguns deles, como São Paulo (TJ-SP) e Paraná (TJ-PR), têm jurisprudência reiterada no sentido de que imunidade de ICMS abrange toda a cadeia produtiva exportadora.

Advogados, afirmam que há preocupação também em relação às normas estaduais que existem atualmente. Alguns Estados garantem a isenção do ICMS para o transporte das mercadorias da empresa até o local de exportação.

A decisão do STF, da forma como foi proferida, faz surgir a dúvida de que tais Estados possam reavaliar as suas decisões e passar a cobrar o imposto. “Se isso acontecer, o preço de escoamento da produção vai ficar realmente mais caro”, diz o advogado.

Esse tema foi julgado pelos ministros por meio de recurso apresentado por uma fabricante de embalagens do Rio Grande do Sul (RE 754917). O julgamento ocorreu no plenário virtual.

Nas alegações apresentadas pela companhia aos ministros consta que a Constituição Federal impõe, de forma clara, a não incidência do ICMS quando o produto tem como destino outro país. “Essa exportação não está limitada ao exportador direto, mas sim a toda a cadeia de produção a qual se vise o comércio e o trânsito de produtos com destino ao exterior”, diz no processo.

O ministro Dias Toffoli, relator do caso, discordou da empresa e negou o pedido de isenção — mantendo decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul (TJ-RS). “Nas operações de exportação, é clara a orientação quanto à impossibilidade de, a pretexto de extrair da regra imunitória o máximo de efetividade, adotar interpretação ampliativa, de modo a abarcar fatos, situações ou objetos a priori não abrangidos pela expressão literal do enunciado normativo”, afirma em seu voto.

Segundo o ministro, a Constituição, no artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, pressupõe a incidência de ICMS nas operações internas. Tanto que, no último trecho desse dispositivo, destaca, há previsão de medida compensatória às exportadoras: a manutenção e o aproveitamento dos créditos gerados pela cobrança do imposto na etapa anterior.

“Houvesse imunidade para as operações internas, de modo que não fosse cobrado o ICMS em nenhuma das etapas anteriores à exportação, seria inútil e despropositada a regra de manutenção e aproveitamento de crédito”, diz Dias Toffoli.

O entendimento do relator foi acompanhado pela maioria dos ministros. Marco Aurélio e Edson Fachin foram os únicos que divergiram, dando razão à empresa.

Para o ministro Fachin, que inaugurou a divergência, a imunidade do ICMS para toda a cadeia produtiva exportadora não demanda interpretação extensiva do artigo 155 — como votou o relator. “Trata-se tão somente de aplicação do princípio do país do destino, pois, do contrário, estar-se-á a promover a oneração de produto destinado ao exterior, em desarmonia ao que prevalece no comércio internacional.”

A possibilidade de aproveitar os créditos de ICMS que são gerados com as compras dos insumos — destacada no voto do ministro Dias Toffoli —, na prática, não diminui o prejuízo das empresas exportadoras, segundo advogados. Como não pagam o imposto na venda ao exterior, elas não conseguem fazer a compensação com o que pagaram na entrada e acabam acumulando créditos.

Alguns Estados permitem que esses créditos sejam transferidos a terceiros e utilizados para comprar matéria-prima. Só que o processo de autorização costuma ser lento e burocrático e, por esse motivo, acabam não sendo usados.

Fonte: Valor Econômico

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