Por Beatriz Olivon
A 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) suspendeu ontem o julgamento de pelo menos quatro processos. Os motivos foram os tradicionais pedido de vista e diligência. Não para analisar o mérito dos casos, mas para avaliar solicitações de contribuintes para a aplicação de uma mudança na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que pode favorecer as empresas. A alteração está prevista na Lei nº 13.655, publicada em abril.
A norma foi apresentada pela primeira vez na sessão por uma advogada tributarista, que defende a empresa Tempo Serviços da Organização Bradesco. A advogada alegou que o artigo 24 da Lei 13.655 permite a revisão de atos, como autuações fiscais, levando em consideração “as orientações gerais da época” – jurisprudência judicial ou administrativa.
Com a aplicação do artigo, segundo a advogada, o julgamento deveria levar em conta a jurisprudência do Carf na época dos fatos e não a atual. O processo discute a validade de uma autuação de R$ 573 milhões, lavrada em 2014, por uso indevido de ágio – gerado pela aquisição da Tempo Serviços pelo Bradesco. A Receita Federal cobra Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
Depois de muito debate, os conselheiros da 1ª Turma decidiram devolver o caso para que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) possa analisar o argumento e se manifestar. Os outros processos adiados são do Santander, Lajeado Energia e Empresa de Mineração Esperança.
Em seu voto, o relator, conselheiro Flávio Franco Correa, representante da Fazenda, afirmou que muitos dos acórdãos citados pela empresa, como precedentes antigos, já podem ter sido reformados. “Só considero isso se for matéria já consolidada em súmula”, afirmou.
Já o conselheiro Luís Flávio Neto, representante dos contribuintes, destacou que trata-se de norma que determina à administração fiscal não mudar jurisprudência da época. “Não poderia ser apresentado paradigma por ser norma recente e que fala em jurisprudência majoritária, não necessariamente sumulada”, disse.
Também representante dos contribuintes, a conselheira Cristiane Silva Costa, citou outro processo em que o argumento sobre o artigo 24 foi levantado e que a Câmara Superior suspendeu o julgamento para aguardar manifestação da PGFN.
Em sua exposição, o conselheiro André Mendes de Moura, representante da Fazenda, aproveitou para alertar sobre o risco de, com a mudança, o Carf ter que suspender todos os julgamentos. “Todos os patronos que estão na tribuna vão alegar isso”, afirmou.
Moura questionou a aplicação da jurisprudência em detrimento da lei. “Vamos agora para a Inglaterra, para os Estados Unidos”, disse, citando países que adotam sistemas jurídicos de precedentes (common law).
No julgamento da Tempo Serviços (processo nº 10600.720016/ 2014-31), o procurador da Fazenda Nacional, Marco Aurélio Zortea Marques, não chegou a se manifestar sobre o tema. Mas no processo julgado na sequência, da Lajeado Energia (nº 16561.720047 /2014-81), ele pôde expor o posicionamento da PGFN.
Para o órgão, a norma não se aplica ao processo administrativo fiscal. Para que fosse possível, segundo o procurador, a alteração deveria ter sido feita por meio de lei complementar. “Esse artigo jamais está a prever normas gerais sobre direito tributário”, disse.
Segundo o procurador, se for para aplicar a jurisprudência de quando o ato ocorreu, o Carf não será mais necessário. “Isso não é segurança jurídica”, afirmou ele, acrescentando que a PGFN irá colocar esse posicionamento em todas as suas manifestações em que a tese aparecer. Ainda segundo Marques, essa questão também está sendo levada a julgamentos nas chamadas turmas baixas.
O processo da Lajeado acabou suspenso por pedido de vista enquanto os conselheiros debatiam se o dispositivo deveria ser aplicado, antes da análise do mérito. Outros dois processos, envolvendo a Empresa de Mineração Esperança (nº 10600.720035/2014-67) e o Banco Santander (nº 16327.721 125/2014-38) também tiveram pedido de vista pelo mesmo motivo.
No caso do Santander, estava em julgamento a validade de uma autuação que cobra R$ 242,5 milhões de IRPJ e CSLL por amortização de ágio gerado na aquisição do banco ABN. A autuação se dirige ao intervalo entre 2009 e 2012 e tem origem na operação de aquisição do Banco Sudameris pelo ABN Amro em 2003. Posteriormente, a instituição financeira foi incorporada pelo Santander. O mérito não começou a ser analisado pela Câmara Superior.
Fonte: Valor Econômico