O ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou nesta terça-feira a existência de um “manicômio tributário” no Brasil e reforçou a importância de uma reforma no sistema de impostos para diminuir os litígios na Justiça.
“Quando você tem contenciosos acima de R$ 1 trilhão e desonerações de R$ 300 bilhões, está muito claro a configuração de um manicômio tributário”, afirmou o ministro ao participar do webinário “Os reflexos das decisões judiciais na política econômica”, promovido pelo Instituto de Garantias Penais (IGP).
Segundo o ministro, o governo tem um olhar favorável para a lei de transações tributárias. “Não olhamos com o mesmo olhar favorável para o Refis”, afirmou.
Transações são acordos entre o Fisco e o contribuinte para o encerramento de litígios na Justiça. Refis são os programas de parcelamento de dívidas tributárias feitos pela Receita Federal.
Em evento na manhã desta terça-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, admitiu a possibilidade de criação de um novo Refis para tratar das dívidas contraídas durante a pandemia. Ele reforçou que dívidas anteriores não devem entrar porque já há outros parcelamentos ocorrendo, o último, aberto em 2018.
“É possível [um Refis], mas tem que tomar cuidado para não misturar com dívidas anteriores. No Brasil tem sempre uma cultura de não pagar impostos para esperar o próximo Refis”, afirmou Maia.
Reforma
Guedes afirmou ter “muita esperança” na reforma tributária como meio de reduzir contenciosos judiciais e desonerações. Na sua avaliação, a arquitetura jurídica é uma das razões pelas quais a pobreza persiste no Brasil.
“Se economistas tivessem mais conhecimento jurídico e juristas tivessem mais conhecimento econômico, o Brasil poderia ser um país extraordinariamente rico”, afirmou.
Ele citou como exemplo um contencioso bilionário, envolvendo a lei Kandir, que foi encerrado recentemente, após 20 anos de embates no Judiciário com um acordo. “Muitos acordos que temos feito eram esqueletos em armário”, disse. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, “tem nos ajudado muito nessa construção”, frisou.
Na avaliação de Guedes, o Brasil opera há 30, 40 anos com impostos que se tornaram “obsoletos” e que não sobreviverão à nova economia. “Temos oportunidade de fazer uma reforma tributária, disse. “Vai sair de imposto tipo PIS/Cofins e vai para imposto sobre valor adicionado ou imposto digital.”
O IVA, disse ele, é apontado como um imposto sofisticado no Brasil, mas existe há quase 100 anos. Na mudança de sistema, disse ele, os contribuintes têm uma oportunidade rara de “acertar as contas com o passado”, pagando para isso uma pequena parcela do R$ 1 trilhão que se encontra hoje em litígio. “Vamos lançar um regime novo e temos que oferecer chance de quem quiser comprar esse ‘passaporte’ a um preço moderado.”
Ele afirmou que, nessa mudança, os advogados seguirão necessários. No entanto, em outra fronteira, como nos investimentos.
Falando sobre a relação entre os entes federativos e a proposta do atual governo de descentralizar recursos, ele afirmou que, enquanto a transição não estiver completa, o STF tenta fazer justiça e proteger a União de assaltos. No entanto, às vezes “o coração bate” e a corte alivia a situação dos Estados. “No fundo, temos que equacionar isso com as reformas.”
Guedes minimizou a crise entre Poderes “que ocorre a toda hora” no Brasil e a classificou como um “ruído de uma democracia vibrante”.
O ministro defendeu uma atitude construtiva entre Poderes. Afirmou ainda que os tribunais de contas dos Estados deveriam ter o mesmo rigor do Tribunal de Contas da União (TCU). “Mas, muitas vezes, é o contrário”, comentou.
“Muitas vezes, governadores deixam bombas para seus sucessores.” A União, disse ele, representa equilíbrio intertemporal das finanças.
“A União, no final, é a viúva que não pode ser explorada, onde todo mundo empurra a conta.”
Ruídos
Após dizer que prefere “os ruídos de uma democracia do que o silêncio de uma ditadura”, o ministro da citou a Coreia do Norte e disse que no Brasil estão “usando até cadáver como plataforma eleitoral”. Para ele, a democracia brasileira está cada vez “mais robusta e mais flexível”.
“Você não sabe o que está acontecendo hoje na Coreia do Norte, quantas vítimas têm do coronavírus lá. E no Brasil está essa confusão toda. Todo mundo… usando até cadáver como plataforma eleitoral. Acho que a população não vai aprovar esse comportamento”, disse.
Segundo ele, o que a população espera das governanças é esforço para “atravessar as duas ondas”, a da saúde e a econômica. “Tenho certeza que vamos atravessar as duas. Tenho certeza que o Brasil vai surpreender”, disse, acrescentando que o Congresso está trabalhando e a equipe econômica vai avançar com as reformas estruturais.
Fonte: Valor Econômico