Iniciativa deve tramitar em regime de urgência para amenizar situação de empresas durante crise do coronavírus
Algumas empresas devem protelar um eventual pedido de recuperação judicial, à espera da tramitação no Congresso de um projeto de lei (PL) que tenta oferecer soluções temporárias e emergenciais para evitar que elas tenham de fazer isso.
O PL 1.397/2020, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD/ RJ), deve ter regime de urgência apreciado nesta semana. Mas alguns pontos do projeto causam polêmica entre os especialistas.
O objetivo principal da proposta é proporcionar mais liquidez às companhias neste momento mais agudo da crise. Uma das medidas é a suspensão automática para todas as empresas, por 60 dias, de execuções judiciais de pagamentos vencidos a partir de 20 de março.
Ficam suspensas a decretação de falência, vencimentos antecipados de dívidas e incidência de multas. Nesse período, empresas e credores devem negociar extrajudicialmente uma solução. Se ela não for alcançada, inicia-se um novo prazo, também de 60 dias, em que as partes podem pedir um juiz a nomeação de negociador para conduzir a reestruturação. Caso novamente não haja acordo depois disso, aí sim uma solução seria a recuperação judicial.
O problema da proposta, de acordo com especialistas, é que ela cria uma espécie de moratória de 60 dias para todas as empresas, estejam elas muito, pouco ou nada afetadas pela crise.
“Se todo mundo parar de realizar pagamentos, aí sim você vai paralisar toda a economia. Temos que lembrar que nenhuma empresa é só devedora. Ela também é credora. Vai deixar de pagar, mas também não vai receber”, afirma um advogado.
Um comitê criado pela TMA Brasil, entidade que reúne especialistas em reestruturação, avaliou que a suspensão automática não é recomendável num momento de crise de liquidez pois gera incentivos amplos ao não pagamento de dívidas, o que pode afetar a segurança jurídica dos negócios já contratados ou em contratação.
A TMA Brasil avalia que o mais adequado para o momento seria uma suspensão, por no máximo 120 dias, de medidas como a decretação de falência e cortes de serviços básicos, como fornecimento de água e energia. O comitê também viu com restrições a criação do negociador, que pode burocratizar e dar insegurança ao processo.
Marcio Guimarães, integrante da comissão de juristas que elaborou o PL 1.397/2020, ressalta que o que texto do projeto não propõe uma moratória generalizada. “A empresa que tem condições de fazer os pagamentos deverá fazê-lo, pois os juros serão mantidos. Por essa razão, não há incentivo para que companhias adotem a medida sem precisar, já que elas pagarão mais caro”, afirma Guimarães.
A figura do negociador, diz o jurista, vem sendo usada em outros países também afetados pela pandemia, principalmente na Europa, com êxito. “Vai ser um elemento novo que afasta o possível desgaste entre as partes.” Guimarães reforça que o projeto foi inspirado em medidas já adotadas em outros locais.
Outro ponto polêmico do projeto de lei prevê que os bancos retenham 50% e não 100% dos recebíveis dados em garantia dos financiamentos. Depois de seis meses, a garantia precisará ser recomposta. Essa questão dos recebíveis teria desagradado os bancos. Procurada, a Febraban, entidade que reúne os bancos brasileiros, não atendeu ao pedido de entrevista.
Guimarães diz que de todas as medidas, essa é a que mais visa recompor o caixa das empresas, diante das dificuldades de conseguir dinheiro novo.
Até o momento, as empresas contam com medidas governamentais para interromper pagamentos de impostos e fazer renegociações trabalhistas, mas não necessariamente têm dinheiro novo, observa.
Renato Carvalho Franco acredita que o projeto de lei deveria ser o mais objetivo possível e focar o caráter emergencial e transitório da crise, que é a liquidez.
Para ele, a limitação de cortes de serviços básicos, como energia, gás e água, ajudam. Embora ressalte que haverá a necessidade de o governo eventualmente apoiar a manutenção da saúde financeira das concessionárias. Para Franco, medidas que viabilizem e incentivem bancos a flexibilizar a liberação de recursos retidos ou em garantia, sem ameaçar a saúde dos sistema financeiro, também trariam um fôlego importante para as empresas.
“Esse tipo de medida tem mais capilaridade e chega rapidamente ao dia a dia do caixa das empresas. Acaba tendo mais eficácia do que liberações de crédito”, afirma Franco.
Um advogado avalia que uma moratória indiscriminada seria ruim para a economia, e a questão dos recebíveis, desde que recompostos, pode ser relevante para que as empresas consigam ter recursos em caixa.
Já outro advogado se diz favorável ao projeto de lei, pois se houver uma avalanche de pedidos de recuperação judicial e ações na Justiça, ela não conseguirá atender a todos.
Fonte: Valor Econômico