Artigos |

14/08/2025

Ampliação da Isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física

Foi sancionada, em 11 de agosto, a Lei nº 15.191/2025 [1], que amplia a isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para quem aufere até dois salários-mínimos. A medida ratifica uma proposta que já estava em vigor por meio de Medida Provisória (MP), publicada em abril. Com a sanção, a faixa de isenção, que estava defasada, foi elevada de R$ 2.259,20 para R$ 2.428,80. Esta ampliação terá efeito sobre as declarações a serem realizadas em 2026, referentes aos rendimentos recebidos no ano de 2025.

No entanto, o diploma sancionado nesta semana não interfere na tramitação do Projeto de Lei (PL) 1.087/2025 [2], que avança em comissão especial da Câmara e propõe a ampliação da isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. O PL se propõe a trazer mudanças significativas para a tributação da pessoa física, sob a justificativa de promover justiça fiscal, além de cumprir promessas de campanha.

Inicialmente, a proposta é elevar a base de isenção do Imposto de Renda para R$ 5.000,00 mensais. Essa medida teria um impacto substancial no número de contribuintes isentos. Atualmente, 20% dos contribuintes desfrutam de isenção total. Com o Projeto de Lei, a estimativa é que 65% dos contribuintes seriam totalmente isentos e um total de 90% teriam isenção total ou parcial. Ainda, o projeto prevê uma redução linear do Imposto de Renda para rendimentos situados entre R$ 5.000,01 e R$ 7.000,00.

Uma das inovações é a instituição do Imposto de Renda mínimo anual, que seria exigido de contribuintes com rendas acima de R$ 600 mil anuais e que estejam “subtributadas”. Este imposto teria uma alíquota mínima efetiva que varia de 0,001% a 10%, para rendas superiores a R$ 1,2 milhão.

Destaca-se que o IRPFM não afetaria salários, honorários e aluguéis que já são tributados na fonte. Sua aplicação visa incidir sobre rendimentos atualmente isentos, como lucros e dividendos, caso o total do imposto pago no ano sobre todas as rendas seja inferior à alíquota mínima devida.

O PL também propõe uma tributação de 10% na fonte para rendimentos pagos ao exterior. Para residentes, essa tributação se aplicaria se o valor mensal ultrapassar R$ 50 mil por empresa pagadora.

A reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física em discussão enfrenta diversos desafios complexos, que permeiam tanto as diferentes percepções sociais do conceito de justiça, quanto as implicações econômicas e jurídicas.

Apoiadores da aprovação do PL em sua integralidade defendem uma percepção social de injustiça no sistema tributário atual, onde apenas trabalhadores com carteira assinada ou funcionários públicos podem pagar até 27,5% de imposto, enquanto os dividendos são isentos. Segundo estes, isso levaria à prática da “pejotização”, onde trabalhadores transformam suas prestações de serviços em empresas para pagar menos tributos.

Críticos, no entanto, sugerem que tributar dividendos de forma linear exigiria uma redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que no caso das empresas tributadas pelo lucro real somam 34%, sob pena de quebra da isonomia e da progressividade.

Nesse sentido, a afirmação de que quem recebe lucros e dividendos não paga tributos é equivocada. A maioria das empresas no Simples Nacional ou no Lucro Presumido são sociedades de pessoas (profissionais liberais e prestadores de serviços), cuja renda vem diretamente do trabalho dos sócios, não havendo riqueza autônoma. Nesses casos, os lucros funcionam como remuneração mensal, a qual já é tributada na pessoa jurídica.

Além do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, arcam com outros tributos, tais como PIS, Cofins, contribuições previdenciárias, ISS, ICMS, IPI e outros, além de gerarem empregos e suportarem os devaneios e “bondades” dos gestores públicos, que não geram riquezas, mas consomem aquelas produzidas com a vultosa carga tributária existente.

Portanto, conceder a quem recebe exclusivamente lucros de sociedades de pessoas as mesmas deduções do IRPF aplicáveis à renda do trabalho, além de fixar, para esses contribuintes, alíquota máxima de 27,5% (e não 34%, restrita a pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real), seriam medidas cabíveis à preservação da isonomia e aumento da progressividade [3].

Quanto ao conceito de renda, o artigo 43 do CTN [4] define que o imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, sendo da renda entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, e de proventos de qualquer natureza, entendidos os acréscimos patrimoniais.

A discussão sobre a tributação da renda se aprofunda no debate sobre o conceito de “realização”, isto é, o momento da separação do ganho ou da renda em relação a sua fonte produtora [5]. Autores como ANDRÉ MENDES MOREIRA e FERNANDO DANIEL DE MOURA FONSECA [6] destacam que a “realização”, que demarca o momento em que um acréscimo patrimonial é tributável, é um atributo estável do imposto de renda. No entanto, há uma crescente tensão, especialmente no cenário global, pela busca de bases de tributação mais abrangentes. A evolução das técnicas de avaliação de ativos, o aumento da liquidez dos mercados financeiros e a busca por maior justiça fiscal têm intensificado o debate sobre o abrandamento da regra da realização.

MARCIANO SEABRA DE GODOI [7] destaca que o PL 1.087 é visto como uma iniciativa rara e corajosa para uma agenda historicamente negligenciada e necessária para combater a desigualdade. No entanto, o autor argumenta que sua lógica de desenho compromete a consistência e a coerência com os princípios de capacidade econômica e progressividade em favor da viabilidade política. Uma reforma coerente integraria a tributação de rendimentos do trabalho e capital com alíquotas progressivas semelhantes. Ainda, caso seja aprovado, destaca que o mecanismo de retenção mensal do IRPFM sobre dividendos precisará ser mais bem calibrado para evitar restituições excessivas.

Do ponto de vista técnico, o PL 1.087/2025 busca uma redução da base tributável para as faixas de menor renda e um aumento da isenção/redução da tabela do IR para a maioria dos contribuintes, enquanto introduz uma tributação mínima para altas rendas, focada em rendimentos que hoje são isentos. O projeto, no entanto, mantém a estrutura da tabela progressiva com ajustes pontuais.
No contexto brasileiro, a doutrina, como a defendida por MOREIRA e FONSECA [6], majoritariamente sustenta que a “realização” é um elemento inerente ao conceito jurídico de renda. Isso se baseia na rígida distinção constitucional entre renda e patrimônio no Brasil. Para fins tributários, renda pressupõe um acréscimo patrimonial decorrente de uma atuação positiva do contribuinte, por meio de uma operação de troca que substitua o valor (patrimônio) pelo preço (renda). Meras oscilações positivas de valor, sem uma transação, não configurariam o fato gerador do imposto de renda.

Essa perspectiva significa que a tributação de valorizações patrimoniais não realizadas (como a “marcação a mercado” de ativos, baseada em “valor justo”) seria, no ordenamento jurídico brasileiro, uma incidência sobre o patrimônio e não sobre a renda, o que poderia ser inconstitucional se feita através de uma desfiguração do conceito de renda. O “valor justo”, um conceito contábil que reflete a expectativa de fluxos de caixa futuros e envolve probabilidades, carece da definitividade e objetividade que o direito tributário exige para a determinação da base de cálculo do imposto de renda.

Não obstante, GODOI [7] destaca que permanece uma brutal diferença na carga tributária entre rendimentos do trabalho e rendimentos de capital empresarial de mesma magnitude. Um assalariado com R$ 20 mil mensais continua com uma alíquota efetiva de IRPF de aproximadamente 20%, enquanto um sócio que recebe R$ 50 mil mensais em dividendos mantém uma carga tributária muito menor, mesmo considerando o IRPJ/CSLL da empresa. A nosso ver, contudo, esta é uma premissa equivocada, na medida que baliza a equiparação sem entender o contexto social e econômico no qual exercida a atividade empresarial no País, sem olhar para os riscos desta atividade que são suportados, sempre e invariavelmente, por corajosos empreendedores.

Forçoso lembrar, de outro lado, que a outra balança neste encontro de contas está supercarregada pelo aumento indiscriminado das despesas públicas, com um orçamento desequilibrado e fundado em “dar com uma mão e tirar com a outra”, na medida em que desequilíbrios fiscais e orçamentários permanentes levam a uma economia frágil, desequilibrada e inflacionária.

Em suma, enquanto a lei sancionada nesta semana apenas corrige a tabela progressiva para ampliar a isenção para as faixas de menor renda, o debate em torno do PL 1.087/2025 e suas propostas de tributação para altas rendas tocam em questões profundas sobre a definição de renda e patrimônio no direito tributário brasileiro, bem como sobre os limites e possibilidades de uma reforma que busque maior equidade fiscal.

 

Cláudio Leite Pimentel e Jordana Macarthy
Advogados na P&R Advogados Associados

 

Referências bibliográficas:

[1] Brasil. Diário Oficial da União. Lei nº 15.191, de 11 de agosto de 2025. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-15.191-de-11-de-agosto-de-2025-647705526

[2] Brasil. Projeto de Lei nº 1.087, de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Projetos/Ato_2023_2026/2025/PL/pl-1087.htm

[3] DERZI, Misabel de Abreu e FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Alterações necessárias na reforma do imposto de renda. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-13/pl-1-087-2025-alteracoes-necessarias/

[4] Brasil. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm

[5] Silveira, R. M. da. (2007). O Princípio da Realização da Renda no Direito Tributário Brasileiro. Revista Direito Tributário Atual, (21), 317–344. Recuperado de https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1570

[6] Mendes Moreira, A., & Fonseca, F. D. de M. (2025). O (Sempre) Atual Debate em Torno da Realização da Renda. Revista Direito Tributário Atual, (59), 56–75. Disponível em: https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.2.2025.2692

[7] Seabra de Godoi, M. (2025). Uma Análise Jurídica e Socioeconômica da Reforma da Tributação da Renda das Pessoas Físicas Proposta pelo Projeto de Lei n. 1.087/2025. Revista Direito Tributário Atual, (59), 401–424. Disponível em: https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.18.2025.2744

Compartilhar