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17/07/2025

Parcelamentos e o descumprimento pelos contribuintes dos requisitos para adesão e respectiva manutenção – Uma análise da jurisprudência

A manutenção da regularidade fiscal é um desafio constante para empresas de todos os portes no Brasil. A capacidade de cumprir pontualmente as obrigações tributárias muitas vezes é comprometida por fatores econômicos, o que acaba resultando em inadimplência e sujeitando os contribuintes a diversas sanções legais, como autuações fiscais, inscrições em dívida ativa, protestos de Certidões de Dívida Ativa (“CDAs”), ajuizamento de execuções fiscais e, em casos mais graves, à penhora e expropriação de bens.

Para mitigar esses riscos, muitos contribuintes optam por aderir a programas de parcelamento ou transações tributárias, que oferecem condições diferenciadas, como redução ou exclusão de juros, multas e encargos legais. Esses instrumentos têm sido uma alternativa importante para a extinção do crédito tributário e para a regularização do passivo tributário.

Ocorre que, por diversas razões, especialmente por limitações de fluxo de caixa e dificuldades financeiras, muitos contribuintes acabam ficando inadimplentes durante a vigência desses parcelamentos, mesmo após o pagamento de grande parte das parcelas. Como consequência, acabam sendo excluídos do programa, seja de forma automática ou após procedimento administrativo, perdendo todos os benefícios e reduções anteriormente concedidos.

Diante desse cenário, tem sido cada vez mais frequente a busca do Poder Judiciário por parte dos contribuintes, com pedidos de restabelecimento dos parcelamentos, mediante a demonstração das dificuldades financeiras, da boa-fé e do efetivo interesse em quitar os débitos fiscais.

Por sua vez, em casos específicos, os contribuintes têm tido êxito nas discussões. Destaca-se, em especial, a decisão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) que reconheceu a possibilidade de afastar a interpretação literal das normas que regem os parcelamentos fiscais, priorizando a sua finalidade, ou seja, a regularização fiscal, e valorizando a boa-fé do contribuinte.

Nesse acórdão paradigma, o STJ confirmou a decisão colegiada proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (“TRF4”) que considerou desproporcional a exclusão de contribuinte por inadimplemento de apenas 5 parcelas após o adimplemento de outras 42, especialmente diante de dificuldades financeiras temporárias. O Tribunal reconheceu a ausência de prejuízo aos cofres públicos e a intenção do contribuinte de quitar integralmente o débito.

Esse entendimento, que admite o restabelecimento de parcelamentos mesmo em casos de inadimplemento, vem sendo reiteradamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, com destaque para os posicionamentos da Primeira Turma. Além disso, merece destaque a jurisprudência das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, especialmente a 14ª Câmara, que vem consolidando entendimentos favoráveis aos contribuintes nesse contexto.

Outro importante precedente é o do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF3”), que restabeleceu parcelamento no âmbito do “REFIS da Crise”, instituído pela Lei nº 11.941/2009. Nesse caso, não houve inadimplemento de parcelas, mas apenas descumprimento de obrigação acessória, com o atraso na formalização do pedido de desistência de um processo administrativo. O TRF3 entendeu que, embora o parcelamento seja um benefício condicionado ao cumprimento de requisitos legais, é necessário que o Fisco atue com razoabilidade e respeite os princípios da boa-fé e da transparência.

Além disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) proferiu relevante decisão em Ação Anulatória de Ato Administrativo, restabelecendo parcelamento fiscal no âmbito municipal (Lei nº 13.092/2000 – REFIS), que havia sido rescindido unilateralmente pelo Município de São Paulo. A exclusão se baseou no fato de o contribuinte não haver desistido de ações judiciais contra exações discutidas nas parcelas. No entanto, o TJSP entendeu que, após 13 anos de concordância tácita do Município, durante os quais o contribuinte realizou depósitos judiciais integrais e passíveis de conversão em renda em caso de derrota, restou demonstrada a boa-fé no adimplemento das obrigações. Além disso, reconheceu-se a decadência e a prescrição do ato de exclusão, decisão posteriormente mantida pelo STJ.

Importante registrar que esses precedentes também têm sido aplicados às Transações Tributárias, mesmo diante de regime jurídico distinto dos parcelamentos. É o caso da Transação denominada “Acordo Paulista”, instituída pela Lei nº 17.843/2023 e regulamentada pelo Edital PGE/Transação nº 01/2024, onde destacam-se os processos nº 1012743-88.2025.8.26.0506 (2ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão Preto) e nº 1021429-09.2024.8.26.0602 (Vara da Fazenda Pública de Sorocaba), nos quais os contribuintes foram excluídos dessa transação em razão de falhas operacionais no pagamento. Contudo, diante da comprovação da boa-fé e do interesse em adimplir, os magistrados determinaram o restabelecimento da transação, fundamentando-se nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, finalidade da norma e ausência de prejuízo ao erário.

Essas sentenças ainda aguardam julgamento das apelações e remessas necessárias. No entanto, há forte indicativo de sua manutenção, especialmente no segundo processo, tendo em vista que a liminar anteriormente concedida foi objeto de agravo de instrumento (3005781-15.2024.8.26.0000) pela Fazenda do Estado de São Paulo, a qual foi mantida pela 4ª Câmara de Direito Público.

No âmbito do TRF3, observa-se que as decisões desfavoráveis aos contribuintes, em sua maioria, decorrem da ausência de comprovação de boa-fé, inadimplementos prolongados e injustificados, ou mesmo da inércia no curso dos procedimentos administrativos que culminaram na exclusão do parcelamento. Ainda assim há precedentes favoráveis entre a 1ª e a 4ª Turma.

Quanto ao STJ, suas decisões têm se orientado no sentido de manter os acórdãos proferidos pelos Tribunais de origem, em consonância com sua própria jurisprudência, fundamentada nos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade, na finalidade normativa (teleologia) e na ausência de prejuízo ao erário. Além disso, pelo óbice de reexame dos fatos, tem aplicado a Súmula 7 para afastar revisões que contrariem esse entendimento já consolidado.

Nesse contexto, a equipe da P&R Advogados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas e auxílio quanto ao tema exposto.

 

Rafael Sibinel
Advogado na P&R Advogados

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