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18/06/2025

Aumento do IOF e o Projeto de Decreto Legislativo

Nas últimas semanas, o embate político envolvendo a majoração do IOF tem tomado os noticiários. O último movimento do Poder Executivo foi a edição do Decreto nº 12.499/2025, com um recuo em relação a alguns pontos do anterior Decreto nº 12.466/2025, mas que também manteve diversos pontos de aumento do imposto. Em reação à postura pouco transigente do Governo, o Congresso Nacional deu início à tramitação de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 314/2025), visando sustar a medida.

Esse quadro jurídico é pouco usual e possui suas peculiaridades. Neste breve artigo, busca-se esclarecer ao leitor qual o fundamento jurídico que embasa esse movimento do Poder Legislativo e quais suas possíveis implicações para os contribuintes.

Inicialmente, é preciso compreender que o IOF é um dos tributos para os quais a Constituição Federal (CF/88) atenua a garantia da legalidade, facultando ao Poder Executivo que, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”, altere suas alíquotas mediante decreto (art. 153, §1º). Tal previsão encontra sua razão de ser no fato de que esse imposto possui importante papel extrafiscal, servindo como instrumento de intervenção no domínio econômico.i

Nessa ordem de ideias, há quem sustente que o exercício dessa competência pelo Poder Executivo precisaria estar embasado em uma finalidade extrafiscal. Do contrário, sendo o objetivo meramente arrecadatório, não poderia o Executivo se valer de decreto para majorar o IOF.

Perceba-se que a exceção constitucional à legalidade não é irrestrita, pois condiciona o seu exercício às condições e aos limites postos na lei. No caso específico do IOF, o art. 65 do CTN chega a referir que essa faculdade atribuída ao Executivo tem por finalidade “ajustá-lo aos objetivos da política monetária”. Já a Lei nº 8.894/94, de modo um pouco mais amplo, prevê como possíveis finalidades o atendimento aos objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal (arts. 1º, §2º, e 5º, parágrafo único).

A questão é, de fato, controversa, mas o objetivo deste texto não é exatamente solucioná-la. O ponto é que o Congresso Nacional, por compreender que o Executivo exorbitou seu poder regulamentar ao se valer de decreto para majorar o IOF com objetivo estritamente arrecadatório, iniciou a tramitação de um Decreto Legislativo, para sustar o Decreto nº 12.499/2025.

Esse instrumento jurídico encontra previsão no art. 49, V, da CF/88, e constitui um mecanismo de controle repressivo de constitucionalidade exercido pelo Poder Legislativo (denominado por alguns como controle político de constitucionalidade). Não se trata, portanto, de mera discordância política em relação à medida, mas de instrumento que visa reprimir uma inconstitucionalidade.

O teor da justificativa do PDL nº 314/2025 traduz essa finalidade, ao referir que “o IOF é um imposto extrafiscal que somente pode ser utilizado como instrumento para controle da política econômica, inadmitindo o desejado feitio arrecadatório”, e qualificar o decreto como inconstitucional. Ou seja, na hipótese de aprovação do decreto legislativo, do ponto de vista jurídico, o que ocorrerá é que o Poder Legislativo estará a sustar um ato do Poder Executivo por inconstitucionalidade.

Isso conduz à última e talvez mais importante pergunta deste texto. Como ficarão os efeitos concretos do Decreto nº 12.499/2025 até a sua sustação? Ou melhor: se o decreto legislativo for aprovado, como ficarão os contribuintes que já recolheram o tributo com a nova carga majorada? A resposta não é simples.

Em princípio, a sustação de atos do Executivo por decreto legislativo opera apenas no plano da eficácia e para o futuro, não invalidando a norma desde sua concepção (como ocorre, em regra, no controle judicial de constitucionalidade). Não obstante, assentada a premissa de que houve uma inconstitucionalidade por extrapolação do poder regulamentar pelo Executivo, é sustentável ter havido uma ofensa à garantia constitucional da legalidade e, nesse contexto, não se exclui a possibilidade de uma discussão judicial para reaver os valores eventualmente pagos (não estritamente com base no decreto legislativo, mas com base no vício de concepção da norma que majorou o tributo).

Ainda é preciso acompanhar os próximos passos da tramitação do PDL, mas o escritório está atento ao tema e à disposição para eventuais esclarecimentos.

Luis Carlos Fay Manfra

Advogado na P&R Advogados Associados

i Pode-se, inclusive, relacionar essa faculdade às competências da União para “administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada” (art. 21, VIII, da CF/88).

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