Notícias |

09/10/2024

Convênio 109/2024: novo regramento dos créditos de ICMS sobre as transferências

No dia 07 de outubro, foi publicado o Convênio nº 109/2024, pelo CONFAZ, regrando o tratamento dos créditos de ICMS nas operações de transferência entre estabelecimentos de um mesmo titular.

Esta resenha buscará esclarecer quais foram as principais alterações em relação ao anterior Convênio nº 178/2023, como a matéria está regrada, quais os pontos de atenção e os potencialmente controvertidos.

Contexto

A incidência do ICMS sobre operações de transferência entre estabelecimentos de um mesmo titular são objeto de controvérsia há anos no Judiciário brasileiro. Em 2021, o STF julgou a ADC 49, ratificando uma jurisprudência há muito consolidada, reconhecendo a inconstitucionalidade da tributação dessas operações.

Um dos desdobramentos da decisão foi a necessidade de se regrar o tratamento dos créditos das entradas antecedentes. Inclusive, essa foi uma das razões para a modulação dos efeitos do julgado pelo próprio STF, em 2023, questão que, em si, suscita muitas críticas.

A LC nº 204/2023 promoveu alterações na LC nº 87/96, visando adequá-la à decisão do STF. Logo na sequência, os Estados editaram o Convênio ICMS nº 178/2023, a pretexto de regulamentarem os procedimentos relacionados à referida lei.

No entanto, o Convênio de 2023 vem sendo objeto de questionamentos judiciais, em síntese, por duas razões. A primeira, porque sugere, na prática, uma obrigação de se transferir os créditos das entradas para o estabelecimento de destino, contrariando, no entendimento dos contribuintes, a decisão do STF, que definiu essa transferência como um direito (a ser exercido ou não, conforme o interesse do particular). Já a segunda, porque a metodologia para quantificar o crédito a ser transferido não guardava simetria com o efetivo crédito das entradas, podendo ensejar distorções que significariam verdadeira tributação da saída em transferência.

O direito a transferir os créditos

O Convênio nº 109/2024 trouxe algumas modificações em relação ao seu antecessor, as quais lhe conferiram melhor alinhamento ao que estabelece a LC nº 204/2023. Contudo, algumas dessas melhorias são apenas aparentes.

Embora a Cláusula Primeira do novo Convênio tenha previsto textualmente que “fica assegurado o direito à transferência do crédito”, em contrapartida ao que previa o Convênio 178/2023 (cuja Cláusula Primeira tratava como “obrigatória a transferência de crédito”), na prática, não se tratará de uma faculdade. Vejamos o que preveem as Cláusulas Primeira e Quarta do Convênio nº 109/2024:

Cláusula primeira Na remessa interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, fica assegurado o direito à transferência de crédito do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, a que se refere o inciso I do § 4º do art. 12 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, relativo às operações e prestações anteriores.

Parágrafo único. Nos termos do inciso II do § 4° do art. 12 da Lei Complementar nº 87/96, a unidade federada de origem fica obrigada a assegurar apenas a diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o resultado da aplicação dos percentuais estabelecidos no inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada

[…]

Cláusula quarta O crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores, relativas às mercadorias transferidas.

      • 1º O crédito a ser transferido nos termos do “caput” fica limitado ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, definidas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, sobre os seguintes valores das mercadorias:

I – o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência;

II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento;

III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, e material de acondicionamento.

Na prática, se o crédito auferido nas entradas for menor do que os limitadores do § 1º da Cláusula Quarta, esse será o valor a ser transferido, e não haverá diferença positiva a ser assegurada pela unidade federativa de origem.

Só haverá crédito a ser assegurado pelo Estado de origem na hipótese de o crédito aferido nas respectivas entradas superar os limitadores estabelecidos para a transferência (aplicação da alíquota interestadual). Se isso não ocorrer, conforme a redação do Convênio, o Estado de origem não estará obrigado a assegurar crédito algum. Dito de outro modo, o contribuinte até pode não transferir todo o crédito para o destino, mas ele não poderá usar esse crédito contra o Estado de origem.

Percebe-se, assim, que esse direito, anunciado no caput da Cláusula Primeira, é, a bem da verdade, uma imposição, sob pena de impossibilidade de utilização do crédito na unidade federada de origem. Isto é: ou transfere o crédito, ou não pode usar em face do Estado de origem.

O valor do crédito a ser transferido: correção de uma distorção

Como referido anteriormente, o valor agora assegurado em face do Estado de origem corresponde ao “imposto apropriado referente às operações anteriores”, e está apenas “limitado” ao valor correspondente à aplicação da alíquota interestadual sobre as bases de cálculo relacionadas nos incisos do § 1º da Cláusula Quarta.

Essa previsão é muito mais adequada do que a que constava do anterior Convênio nº 178/2023, que além de estabelecer como “obrigatória” a transferência, determinava que o valor a ser transferido (obrigatoriamente, portanto) seria o resultante da aplicação da alíquota interestadual sobre as bases de cálculo que elencava na sua Cláusula Quarta (dentre as quais, havia previsão de consideração, inclusive, de mão-de-obra na composição do custo da mercadoria transferida). Aquela metodologia ensejava clara distorção, a qual poderia conduzir à verdadeira tributação da operação de saída.

Agora, têm-se um método que respeita a ideia de uma efetiva transferência do crédito da entrada antecedente, ainda que ele seja de valor inferior ao resultado da aplicação da alíquota interestadual sobre o custo da mercadoria, por exemplo.

O regime optativo: possibilidade de equiparação a uma operação tributada

Uma novidade do Convênio 109/2024 está no regramento do que prevê art. 12, § 5º, da LC nº 87/96, introduzido pela LC nº 204/2023. Esse dispositivo havia sido originalmente vetado pela Presidência da República, mas o veto foi derrubado no Congresso.

Esse regime permite ao contribuinte, por sua opção, equiparar as saídas em transferência a operações tributadas.

Nesse caso, conforme a Cláusula Sexta do Convênio, o valor da operação, para fins de cálculo do ICMS, será calculado da seguinte forma:

Cláusula Sexta […]

      • 1º Na hipótese desta cláusula, considera-se valor da operação para determinação da base de cálculo do imposto:

I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;

II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.

Como é possível observar, tais parâmetros são um pouco diferentes daqueles que definem o limite para a transferência do crédito. No caso da das mercadorias adquiridas para revenda, o valor é o da “entrada mais recente”, e não o “valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência”. Já para as mercadorias produzidas, a base é o custo de produção, englobando mão-de-obra, rubrica não considerada nos limitadores da transferência do crédito.

É de se registrar, ainda, que a opção (a) deve abarcar todos os estabelecimentos do contribuinte no território nacional; (b) deve ser registrada no Livro de Registro de Utilização de Documentos e Termos de Ocorrências, (c) é anual e irretratável para todo o ano-calendário; e (d) tem sua renovação automática a cada ano, a menos que se consigne opção diversa nos prazos estabelecidos; dentre outras formalidades que precisam ser observadas.

Produção de efeitos

O Convênio produzirá efeitos a partir de 1º de novembro, e que, para aqueles que pretenderem aderir ao regime optativo acima referido, o prazo vai até 31 de novembro.

Os Poderes Executivos dos Estados têm agora 15 dias para publicar seus decretos ratificando ou não o Convênio, considerando-se como ratificação tácita a ausência de manifestação nesse prazo, conforme art. 4º da LC nº 24/75.

Considerações finais

É importante avaliar os impactos desse novo regramento à luz das particularidades de cada operação, considerando aspectos como a dinâmica da natureza e do volume dos créditos das entradas, a existência ou não de incentivos fiscais aplicáveis às entradas ou saídas, e até mesmo o modo como essas operações vinham se comportando à luz do anterior Convênio.

Essa análise permitirá a eleição do modelo mais eficiente e poderá, até mesmo, sugerir a necessidade de alguma medida judicial.

O escritório está acompanhando o tema e fica à disposição para qualquer esclarecimento adicional.

 

Luis Carlos Fay Manfra
Advogado Tributarista na P&R Advogados

Compartilhar