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20/06/2024

STJ reconhece que diretor-acionista não pode aprovar as próprias contas por pessoa jurídica, mas a anulação da assembleia é pressuposto para a ação de responsabilidade

Em ação de responsabilidade proposta por acionistas minoritários de sociedade anônima, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que houve fraude à lei quando do exercício de voto em assembleia por holding cujas ações pertenciam, antes, ao diretor da companhia em questão (Recurso Especial nº 2095475 – SP). Na ocasião do conclave, deliberava-se sobre a aprovação de contas dos administradores, que teriam, no exercício social de que tratava a assembleia, alienado bem imóvel da companhia por valor abaixo do de mercado, em prejuízo à sociedade.

As contas da administração foram aprovadas na referida assembleia, com o que não concordaram os acionistas minoritários, para quem o voto de holding acionista detentora de 33,84% das ações da companhia havia sido proferido em violação à Lei 6.404/76 (Lei das S/A). Isso, porque, pouco tempo antes da assembleia, essas ações ainda pertenciam ao diretor cujas contas eram objeto de deliberação, sendo que, às vésperas do conclave, transferiu-as para holding por ele controlada.

Para a 4ª Turma do STJ, entretanto, embora haja autonomia e independência entre a pessoa jurídica e seus sócios, no caso discutido foi demonstrado “não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas pelo sócio administrador por intermédio de holding familiar”. Para a Corte, conclui-se, a partir disso, que sem a manifestação de vontade do próprio administrador, expressada por intermédio de pessoa jurídica, as contas poderiam não ter sido aprovadas.

De fato, o artigo 115, § 1º, da Lei das S/A, veda que o acionista vote em deliberações da assembleia geral cujo objeto seja a aprovação de suas contas enquanto administrador. Essa vedação é absoluta e decorre do princípio de que ninguém pode julgar em causa própria.

Conquanto o STJ tenha reconhecido que a vedação desse artigo de lei se estende ao voto proferido por pessoa jurídica controlada pelo diretor cujas contas estão sendo apreciadas, o caso destrinchou-se pela distinção entre a nulidade prevista no artigo 166, VI, do Código Civil, e a anulabilidade contida no artigo 286 da Lei das S/A. Em suma, porque, para o Tribunal, à sociedade anônima aplica-se a lei especial, sendo que o estatuto civil a ela se aplica apenas em caso de omissão da lei especial, conforme o artigo 1.089 do Código Civil.

Em outras palavras, o STJ concluiu que o voto proferido em fraude à lei confere a possibilidade de anulação da assembleia, mas não a sujeita à nulidade prevista no Código Civil. Ao fim, o que se conclui é que o provimento de ação de anulação da assembleia que aprovou as contas dos administradores é pressuposto jurídico para a proposição da ação de responsabilidade contra administradores que tenham praticado ato em prejuízo à companhia.

A decisão reformulou o posicionamento inicial do TJ-SP, enfatizando que a deliberação em questão é anulável. Em outras palavras, reconheceu que o regime das nulidades no direito societário é diferente do previsto no direito civil, sobretudo em razão do objetivo de se preservar os negócios jurídicos realizados por companhias.

 

Por Tiago Braum

Advogado Societário na P&R Advogados

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