As operações de aquisição de energia elétrica realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) entre consumidores têm sido objeto de autuações pelo Fisco Estadual em razão do não-recolhimento do ICMS e não emissão de notas fiscais de entrada correspondentes às operações realizadas. Essas autuações têm sido contestadas pelos contribuintes por meio de demandas judiciais.
As operações financeiras do Mercado de Curto Prazo da CCEE envolvem as sobras e os déficits de energia elétrica que foi contratada bilateralmente entre os consumidores livres e os agentes de produção e/ou comercialização e a controvérsia, no caso, gira em torno da definição da natureza jurídica das operações realizadas entre os consumidores junto ao Mercado de Curto Prazo da CCEE para fins de incidência ou não do ICMS.
A matéria já foi objeto de análise pela Primeira Turma do STJ no julgamento Resp n° 1.615.790-MG. Na ocasião, o Ministro Gurgel de Farias, Relator do acórdão, consignou que as referidas operações “não caracterizam propriamente contratos de compra e venda de energia elétrica, mas sim cessões de direitos entre consumidores, intermediadas pela CCEE, para a utilização de energia elétrica adquirida no mercado livre, mediante a celebração de contratos bilaterais, e cujo valor total já sofreu a tributação do imposto estadual. O que inclusive permite concluir que nova tributação dessas sobras implicaria em indevido ‘bis in idem’”.
Ademais, tratando-se de operações não habituais e sem constatação de intuito comercial entre consumidores livres, não se verificam preenchidas as condições para caracterização dos mesmos como contribuintes do ICMS, nos termos do artigo 4° da Lei Kandir.
Nesse contexto, concluiu o Ministro Relator que “não deve prevalecer a intepretação adotada pelo CONFAZ para legitimar a tributação sobre as aludidas cessões de direito, pois pressupõe a possibilidade de atribuir ao cedente a figura de contribuinte, a fim de justificar uma nova saída de mercadoria, como revenda”, o que, no seu entendimento, afronta as disposições legais acerca da definição do fato gerador e do contribuinte do imposto.
Com base nessas considerações, entenderam os Ministros da Primeira Turma do STJ, por decisão unânime, que “as operações financeiras acertadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE estão fora do campo de incidência do ICMS sobre o serviço de energia elétrica”.
Nesse mesmo sentido foi o recente entendimento da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do RS[1], que afastou a incidência do ICMS sobre a aquisição de energia elétrica no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, com base no referido entendimento da Primeira Turma do STJ, sob o fundamento de inexistência de fato gerador da exação, já que não há compra e venda de energia, mas sim a cessão de direitos entre os consumidores.
A 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de SP[2] também já se debruçou sobre a questão afastando a incidência do imposto, com fundamento, igualmente, na decisão proferida no REsp 1.615.790/MG, entendendo que “as operações financeiras realizadas pelo CCEE possuem natureza de cessão de direitos, e não de compra e venda, feição que as afasta do fato gerador conjecturado pela circulação de energia seja geração, transmissão ou distribuição. Ainda, que referido mercado exerce a intermediação multilateral entre credores e devedores para utilização de energia outrora tributada, tal que novo recolhimento com a cessão seria caso de bis in idem”.
Ainda que não existam muitas decisões sobre o tema, se verifica uma tendência dos Tribunais de Justiça de seguirem o entendimento firmado na Primeira Turma do STJ em sentido favorável aos contribuintes. Assim, para aqueles que buscarem a via judicial para questionamento da cobrança haverá grandes chances de êxito.
Adriana Seadi Kessler,
Advogada na P&R advogados Associados.
__________________________________
[1] (Agravo de Instrumento, Nº 50521863620228217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em: 21-07-2022)
[2] (TJSP; Apelação Cível 1004784-86.2021.8.26.0577; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro de São José dos Campos – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 02/02/2022; Data de Registro: 02/02/2022)