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16/10/2025

CONTROVÉRSIAS SOBRE A TRIBUTAÇÃO DOS JUROS EM DEPÓSITOS COMPULSÓRIOS DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

A Receita Federal do Brasil exige que as instituições financeiras submetam à tributação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS os juros provenientes dos depósitos compulsórios. Diversos destes contribuintes, contudo, têm levado ao Poder Judiciário a discussão sobre a legalidade desta exigência, argumentando que estes juros não configuram acréscimo patrimonial nem receita decorrente da atividade-fim das instituições, mas uma indenização decorrente de obrigação regulatória imposta pelo Banco Central do Brasil.

Quando um cliente realiza um depósito em uma instituição financeira, parte deste recurso é recolhida de forma obrigatória ao Banco Central. Esse recolhimento — conhecido como depósito compulsório ou recolhimento compulsório — é um dos principais instrumentos de política monetária utilizados para preservar a estabilidade financeira e controlar a inflação. Em essência, trata-se de uma parcela do dinheiro dos correntistas que as instituições financeiras são obrigadas a manter depositada no Banco Central, sem livre disposição.

Embora o objetivo original desses depósitos fosse apenas regular a quantidade de moeda em circulação, ao longo do tempo eles também passaram a desempenhar uma função de “colchão de liquidez”: uma reserva estratégica que o Banco Central pode liberar às instituições financeiras em momentos de crise sistêmica, para garantir a continuidade do crédito e a solidez do sistema bancário.

Há, atualmente, três modalidades principais de depósitos compulsórios:

  • Sobre recursos à vista, provenientes de contas correntes;
  • Sobre recursos a prazo, como os de títulos de CDBs e instrumentos similares;
  • E sobre recursos de poupança, relativos às cadernetas.

As instituições financeiras recebem juros pela indisponibilidade dos valores nas modalidades de depósitos sobre recursos a prazo e sobre recursos de poupança. Estes juros ocorrem pela incidência da Taxa Selic ou de outro índice definido pela autoridade monetária. Segundo o Banco Central, “o objetivo da remuneração de alguns tipos de recolhimentos compulsórios é compensar o custo de oportunidade gerado ao mantê-los no Banco Central do Brasil, reduzindo o impacto desses recolhimentos no custo de captação arcado por uma instituição financeira”.

Todavia, há fundamentos jurídicos para se questionar a exigência, pela Receita Federal, da tributação por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os juros provenientes destes depósitos compulsórios.

Geralmente vinculados à Taxa Selic, estes juros não representam um acréscimo patrimonial, mas, sim, uma indenização paga pelo Banco Central às instituições financeiras pela indisponibilidade obrigatória do capital, decorrente de norma regulatória. Assim, não integram a renda nem o lucro da instituição.

A Taxa Selic, nestes casos, possui natureza estritamente indenizatória, visando recompor o valor do capital no tempo, não se tratando de aquisição de riqueza nova, razão pela qual não deve sofrer a incidência do IRPJ e da CSLL.

Além disto, a atividade típica de uma instituição financeira é baseada no spread, ou seja, na diferença entre os juros cobrados em empréstimos e os juros pagos aos clientes pelos seus depósitos. Os juros oriundos dos compulsórios, contudo, não decorrem de uma escolha negocial, mas de uma imposição regulatória do Banco Central. Por essa razão, não constituem receita de atividade-fim, inserida no objeto social, e não devem sofrer a incidência do PIS e da COFINS.

Há decisões proferidas pela Justiça Federal de São Paulo e pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que afastam a tributação sobre os juros incidentes nos recolhimentos compulsórios.

Em sentença proferida pela 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, em 2022, julgou-se procedente ação de mandado de segurança impetrada por instituição bancária para afastar a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. A decisão foi fundamentada no sentido de que “ao se entender que se trata de mera recomposição do poder da moeda – e não de riqueza nova – torna-se inviável reconhecer como receita ou faturamento tal expressão financeira. Se o acessório devolvido junto com o principal é compreendido como mero mecanismo contra a inflação, então realmente não se tem receita ou faturamento a ser tributado, impondo-se a extensão do raciocínio feito quando da apreciação da incidência do IRPJ e da CSLL [pelo STF] às contribuições PIS e COFINS”. O processo aguarda julgamento de apelação interposta pela União.

Em 2024, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região proferiu acórdão de apelação, ainda não transitado em julgado, reconhecendo o direito de instituição bancária a não recolher a COFINS sobre os juros dos recolhimentos compulsórios. A decisão foi fundamentada no sentido de que a remuneração dos depósitos compulsórios não decorre da atividade típica ou da prestação de serviços das instituições financeiras, mas de obrigação imposta por lei, em razão do poder de polícia do Banco Central, e sua remuneração não se vincula à exploração econômica ou ao objeto social do banco, mas apenas à indisponibilidade compulsória de recursos determinada pela autoridade monetária. Veja-se a fundamentação da decisão:

“Como esses recolhimentos compulsórios decorrem de determinação legal e sua remuneração não está relacionada com a persecução do objeto social da empresa, entendo que essa remuneração não constitui base de cálculo da COFINS.
A remuneração dos depósitos compulsórios não é decorrência da atividade típica da instituição financeira, pois não é escopo do banco a transferência de valores ao BACEN para custódia, transferência esta que só ocorre por determinação legal em razão do poder de polícia dessa autarquia.
A remuneração dos compulsórios não decorre diretamente da prestação de serviços por parte da instituição financeira.
Mesmo considerando a obrigatoriedade de realização dos depósitos compulsórios indissociável da atividade típica da instituição financeira para fins de confiança e liquidez do sistema financeiro, tal obrigatoriedade não transforma a realização dos depósitos compulsórios em atividade típica”.

Em maio deste ano, contudo, em outro processo, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou de modo desfavorável recurso em que instituição bancária buscava o afastamento da exigência do IRPJ e da CSLL sobre os juros dos depósitos compulsórios. O fundamento foi de que estes juros têm por objetivo “compensar a instituição financeira pela indisponibilidade de parcela de seu capital, imposta compulsoriamente pela autoridade monetária, funcionando como uma contraprestação pelo uso desses recursos ou pela restrição ao seu uso produtivo pela instituição depositante”, resultando em um acréscimo patrimonial para a instituição.

A Turma entendeu que a situação dos depósitos compulsórios seria diferente daquela examinada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 962 e pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 505, que afastaram a incidência de IRPJ e CSLL sobre a Taxa Selic recebida em repetição de indébito, por reconhecê-la como verba de natureza indenizatória e moratória. A decisão seguiu a premissa de que, nos depósitos compulsórios, não há ilicitude nem mora do Banco Central, sendo a retenção legítima. A Taxa Selic seria mera remuneração do capital temporariamente indisponibilizado. A discussão, portanto, estaria mais próxima da tese tratada no Tema 504 do STJ, segundo o qual os juros incidentes sobre a devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e se submetem à tributação, pois representam efetivo acréscimo patrimonial sujeito ao IRPJ e à CSLL.

A instituição bancária, neste processo, apresentou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, ainda pendente de julgamento. Há, também, recurso semelhante de outro contribuinte em trâmite na Primeira Turma do STJ.

Como se observa, há decisões favoráveis aos contribuintes a respeito da matéria, estando a controvérsia ainda em amadurecimento nas instâncias superiores. Não obstante, recomenda-se que as instituições financeiras avaliem a propositura de medida judicial para assegurar, desde já, um maior período de recuperação dos tributos que venham, eventualmente, a ser reconhecidos como recolhidos indevidamente.

A P&R Advogados Associados permanece acompanhando a controvérsia e coloca-se à disposição para tratar do assunto.

 

Vinícius Krupp
Advogado na P&R Advogados Associados

 

1 https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/faqcompulsorio

2 Processo nº 5024464-16.2020.4.03.6100

3 Processo nº 0002629-45.2012.4.03.6130

4 REsp nº 2167201 / SP

5 REsp nº 2163401 / SP

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