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22/05/2025

Trusts e IRPF: Um Excesso Interpretativo da Receita Federal?

No início deste mês, a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta Cosit n° 75, através da qual externou seu entendimento a respeito da tributação pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) sobre os rendimentos e ganhos de capital auferidos em trusts irrevogáveis e discricionários constituídos por pessoas jurídicas no exterior. Esse entendimento ganha especial relevância nesta época do ano, marcada pela preocupação com o preenchimento e o envio da declaração do imposto de renda.

Contudo, a posição da Receita Federal vem levantando debate, pois, em se tratando de ato administrativo, deve respeitar os limites delineados na Lei n° 14.754/23, popularmente conhecida como “Lei das Offshores”, que dispõe sobre a tributação de aplicações em fundos de investimento no Brasil e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.

De acordo com o texto legal, trust é a figura contratual regida por lei estrangeira que trata acerca da relação jurídica entre o instituidor (settlor), o trustee e os beneficiários quanto aos bens e direitos indicados na escritura desse contrato. Portanto, aquele que institui o trust transfere seu patrimônio, ou parte dele, a um terceiro administrador, chamado de trustee, que deverá gerir esse patrimônio em prol dos beneficiários, observando as regras próprias daquela relação contratual. Quando o trust for irrevogável, isto é, quando o instituidor não puder desfazê-lo por arrependimento, os titulares dos bens e direitos serão, desde a constituição, os beneficiários.

Ocorre que, de acordo com a Receita, as pessoas físicas residentes no Brasil que estejam indicadas como beneficiárias de trusts irrevogáveis e discricionários deverão declarar e tributar os rendimentos e ganhos de capital obtidos no exterior, mesmo que não tenham acesso imediato aos rendimentos oriundos do patrimônio aportado pelo instituidor. Desse modo, a RFB interpreta que, para efeitos tributários, a existência de mera expectativa de direito ao patrimônio do trust é suficiente para que um sujeito seja considerado beneficiário, de forma que, para fins de IRPF, é esse beneficiário quem titulariza o patrimônio na data do fato gerador do imposto de renda – e, por consequência, quem deverá pagá-lo.

Essa orientação, todavia, parece extrapolar os limites da Lei n° 14.754/23, desconsiderando que a expectativa de direito não equivale à efetiva titularidade. Ora, se o beneficiário do trust irrevogável somente terá acesso ao patrimônio com a implementação de condições específicas, geralmente associadas a eventos futuros e incertos, não há como admitir que ele possua disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Assim, se não houve real acréscimo patrimonial, não há riqueza disponível para ser tributada.

Considerando que a declaração do imposto de renda de 2025 será a primeira sob os efeitos da Lei n° 14.754/23, é normal – e esperado – que os contribuintes tenham dúvidas sobre a tributação de rendimentos auferidos no exterior relativos aos bens e direitos objeto de trusts. No entanto, é preciso atentar que as soluções para esses questionamentos nem sempre estão nas orientações publicadas pela RFB, que, não raro, interpreta a legislação de forma extensiva e prejudicial aos contribuintes. No caso da Solução de Consulta Cosit n° 75/25, a interpretação externada pela RFB contrapõe os próprios objetivos da Lei das Offshores, planejada para trazer maior transparência e previsibilidade, bem como para adequar o Brasil aos parâmetros internacionais de compliance fiscal.

 

Giulia Scheuermann
Advogada na P&R Advogados Associados

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