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27/03/2025

STF define aplicação da anterioridade na revogação de benefícios fiscais

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.473.645 (Tema 1383 de repercussão geral), consolidou entendimento de que a revogação ou redução de benefícios ou incentivos fiscais, quando resultar em majoração indireta da carga tributária, está sujeita ao princípio da anterioridade tributária, seja ela anual ou nonagesimal.

O princípio da anterioridade, no direito tributário, está associado ao princípio da “não-surpresa”, cuja função é evitar que os contribuintes sejam surpreendidos com novas cobranças sem tempo hábil para conhecer a legislação e se programar economicamente. Esse princípio decorre da segurança jurídica, ao impedir aumentos inesperados na carga tributária. A anterioridade pode ser aplicada de duas formas: a anterioridade de exercício, pela qual a majoração ou instituição de tributos somente produz efeitos no exercício financeiro seguinte, e a anterioridade nonagesimal, que exige um intervalo mínimo de 90 dias entre a publicação da norma e a exigibilidade do tributo. A partir desta consolidação de interpretação pelo STF, esse princípio também se aplica à redução ou revogação de benefícios e incentivos fiscais.

Apesar da jurisprudência favorável aos contribuintes no STF, alguns Estados ainda continuavam a realizar autuações fundamentadas na revogação de benefícios fiscais sem respeito à anterioridade, criando insegurança para os contribuintes. A decisão, proferida de forma unânime, reforça a segurança jurídica e a previsibilidade fiscal para os contribuintes. Com isso, o entendimento de mérito firmado pelo Supremo em repercussão geral deve evitar novas discussões judiciais, uma vez que deverá ser seguido pelas demais instâncias do Poder Judiciário e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

O caso concreto envolvia a revogação de um incentivo fiscal pelo Estado do Pará, que previa alíquota reduzida de ICMS para operações internas com fumo e derivados. A anulação do benefício resultou em uma cobrança tributária maior para a empresa contribuinte. O governo estadual argumentou que a anterioridade não se aplicaria à revogação de benefícios fiscais, pois não configuraria criação ou aumento direto de tributo. Contudo, o STF afastou essa interpretação restritiva e reafirmou que a eliminação de incentivos pode implicar majoração tributária indireta, justificando a aplicação do princípio da anterioridade.

Ao fundamentar o voto condutor, o ministro Luís Roberto Barroso destacou que “o princípio da anterioridade busca assegurar a previsibilidade da relação fiscal, de modo a evitar que o sujeito passivo seja surpreendido com um aumento súbito de encargo, sem a possibilidade de planejamento financeiro”. A tese fixada pelo Supremo estabelece que:

“O princípio da anterioridade tributária, geral e nonagesimal, se aplica às hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que resultem em majoração indireta de tributos, observadas as determinações e as exceções constitucionais para cada tributo.”

Foram feitas algumas ressalvas no julgamento à aplicação do entendimento fixado: o Ministro Flávio Dino apontou que a hipótese não se aplicaria para contribuintes de má-fé, que obtêm incentivos tributários fora dos parâmetros legais. Já o Ministro Dias Toffoli reforçou que a aplicação da anterioridade para casos de revogação ou redução de benefícios ou incentivos fiscais deve observar as exceções constitucionais previstas no artigo 150, § 1º, da CF, como no caso do IPVA e IPTU, em que se aplica apenas a anterioridade geral, enquanto para o IPI, ICMS e Cide sobre combustíveis, aplica-se somente a anterioridade nonagesimal.

Com essa decisão, o STF reforça sua jurisprudência sobre o tema, alinhando-se ao entendimento já manifestado em outros precedentes, como o RE 564.225. O julgamento tem impacto significativo para os contribuintes, pois pacifica a discussão e cria um obstáculo para que os entes revoguem incentivos fiscais sem respeitar os prazos mínimos estabelecidos pela Constituição Federal.

A relevância do Tema 1383 também se reflete no contexto do Tema 1108, ainda pendente de julgamento pelo STF, que trata de questões similares envolvendo a revogação de benefícios fiscais no âmbito do Reintegra. No caso, discute-se a necessidade de observação das anterioridades nonagesimal e anual quando o Poder Executivo reduz os percentuais do Reintegra. Isso porque, em anos anteriores, a União reduziu o crédito concedido pelo programa, impactando diretamente a carga tributária das empresas exportadoras sem respeitar a anterioridade anual. Assim como no caso dos incentivos estaduais de ICMS, a existência de um benefício fiscal gera uma expectativa legítima de continuidade, que deve ser protegida pela Constituição para evitar mudanças abruptas e onerosas aos contribuintes.

Dessa forma, o julgamento do Tema 1383 representa um importante marco na proteção da segurança jurídica dos contribuintes, garantindo que alterações fiscais que impactam a carga tributária sejam implementadas com previsibilidade e respeito aos prazos constitucionais.

A P&R Advogados se coloca à disposição para sanar dúvidas sobre o tema.

 

Por Eduardo Floriani Marques
Advogado tributarista na P&R Advogados

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