A Reforma Tributária, consolidada por meio da Lei Complementar nº 214/2025 e da Emenda Constitucional nº 132/2023, representa uma das maiores mudanças no sistema tributário nacional. Embora sua proposta seja baseada na simplificação e modernização da tributação sobre o consumo, a morosidade no alinhamento de pontos essenciais tem gerado grande insegurança para as empresas. A falta de definições claras sobre a compensação de créditos, o funcionamento do Comitê Gestor do IBS e a estrutura de fiscalização são algumas das questões que ampliam o risco de contenciosos tributários e dificultam o planejamento empresarial.
Dentre as mudanças previstas, destaca-se a substituição dos tributos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por dois novos impostos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Além disso, foi criado o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No entanto, a regulamentação desses tributos ainda não está finalizada, promovendo um ambiente de incerteza para os contribuintes e dificultando a adaptação das empresas ao novo modelo fiscal.
Essa insegurança se intensifica com a tramitação pendente do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que detalha o funcionamento do IBS, bem como com os vetos ao PLP nº 68/2024, que regulamenta a CBS e ainda precisa ser analisado pelo Legislativo. Essas indefinições elevam o nível de incerteza no ambiente tributário e empresarial, tornando desafiador o planejamento estratégico das companhias.
Outro fator preocupante é o risco de aumento do contencioso tributário. A transição para o novo modelo tributário, que ocorrerá entre 2026 e 2032, exigirá que as empresas operem simultaneamente sob as regras dos tributos antigos e dos novos. Essa sobreposição aumentará a complexidade da gestão fiscal e poderá resultar em novos litígios tributários, especialmente no que diz respeito à compensação de créditos acumulados.
A principal fonte de preocupação nesse aspecto reside na compensação dos créditos acumulados de ICMS, PIS e Cofins com o novo sistema de IBS e CBS. Embora a transição estabeleça um prazo de 20 anos para utilização dos créditos de ICMS, os critérios para essa compensação ainda precisam ser regulamentados pelos estados. Já os créditos de PIS e Cofins poderão ser compensados com a CBS, mas o prazo e a metodologia para essa compensação ainda não foram definidos. Essa indefinição tem resultado na venda de créditos com deságio para evitar perdas futuras, o que pode comprometer saúde financeira das empresas.
Além disso, a duplicidade de contenciosos administrativos representa outro ponto crítico. Como o IBS e a CBS incidirão sobre as mesmas operações, há o risco de que uma empresa autuada enfrente dois processos administrativos distintos, um para cada tributo, em esferas de julgamento separadas. Para mitigar esse problema, foi proposta a criação de um Comitê de Harmonização IBS-CBS, mas ainda não há detalhes concretos sobre sua estrutura e funcionamento, aumentando a preocupação com a eficácia desse mecanismo.
Ainda, os impactos financeiros e os custos adicionais gerados pela transição para o novo sistema tributário também se mostram expressivos. Empresas precisarão investir em capacitação de mão de obra, adaptação de sistemas de gestão tributária e consultoria especializada para compreender e implementar as novas regras, um custo que pode ser semelhante ou até superior ao do sistema atual, especialmente para pequenas e médias empresas.
Além da preocupação com os custos para a transição e implementação do sistema, há receio, também, no que tange à desoneração das exportações. Isso porque, embora a medida seja fundamental para garantir a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, a ausência de um mecanismo claramente definido para compensação das perdas de arrecadação dos estados pode gerar disputas entre os entes da federação. Essa indefinição reforça as preocupações sobre o funcionamento do Comitê Gestor do IBS, especialmente no que tange à repartição da arrecadação e aos critérios que serão adotados para evitar impactos negativos sobre as finanças estaduais.
A falta de uniformidade na definição das alíquotas do IBS também é outro ponto sensível. Embora o Senado estabeleça parâmetros gerais, cada estado e município poderá definir sua própria alíquota, o que pode perpetuar a guerra fiscal entre entes federativos e criar dificuldades para empresas que operam nacionalmente.
O que se depreende é que, embora a Reforma Tributária tenha sido apresentada como um avanço na modernização do sistema tributário brasileiro, a morosidade na regulamentação e a falta de definições claras sobre pontos cruciais têm gerado um ambiente de insegurança jurídica. Empresas de todos os setores enfrentam dificuldades para planejar suas operações e prever o impacto financeiro das mudanças.
O risco de contenciosos tributários, os altos custos de adaptação e a indefinição sobre a compensação de créditos acumulados são fatores que contribuem para um ambiente de negócios instável. Sem uma regulamentação mais clara e eficiente, a reforma pode acabar gerando um efeito contrário ao esperado, aumentando a complexidade e a litigiosidade do sistema tributário em vez de simplificá-lo.
Diante desse cenário, é essencial que as empresas adotem estratégias para mitigar riscos, como revisar contratos, antecipar o uso de créditos tributários e buscar assessoria especializada para lidar com as incertezas do novo modelo fiscal. A definição de regras claras e um diálogo mais eficiente entre governo, estados e setor produtivo serão fundamentais para garantir que a reforma atinja seus objetivos de forma eficiente e justa.
Por Júlia Farina Dalpiaz
Advogada Tributarista na P&R Advogados