A concessão de incentivos fiscais, autorizada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00), é um mecanismo amplamente utilizado em nosso país para fomentar diferentes segmentos empresariais, por meio do qual os entes estatais renunciam receitas fiscais para atenuar o custo tributário decorrente do exercício de determinadas atividades, promovendo-se, sobretudo, o desenvolvimento dos Estados da Federação que concedem tais benefícios. Por atuarem como uma verdadeira subvenção estatal, tais incentivos decorrem de uma política de redução de carga tributária.
Justamente em razão de sua natureza, diversas discussões foram geradas acerca da sua tributação, especialmente sobre a inclusão dos incentivos fiscais do ICMS, concedidos por meio de créditos presumidos, nas bases de cálculo dos tributos federais, como o Imposto de Renda (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Por refletir em uma diminuição do desembolso monetário do ICMS, até o final do ano de 2023, prevalecia o entendimento de que estes créditos presumidos não deveriam ser objeto de tributação, sob pena de limitar indevidamente a eficácia do benefício fiscal concedido pelos Estados da Federação, o que configuraria em uma violação ao princípio federativo – isto é, permitiria a interferência da União em matéria de competência estadual, afrontando a autonomia regulatória dos Estados sobre o tema.
Tal conclusão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando da análise dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.517.492/PR em 08/11/2017, concedendo-se certa segurança aos contribuintes quanto ao tratamento tributário destes incentivos, visto que, ainda que julgado sem a sistemática dos recursos repetitivos, firmou-se o entendimento por ambas as turmas competentes da Corte Superior.
Ocorre que, posteriormente à consolidação da controvérsia quanto à tributação dos créditos presumidos de ICMS perante o Superior Tribunal de Justiça, o tema foi objeto de alteração legislativa promovida pela publicação da Lei nº 14.789/2023, consistente na conversão da Medida Provisória nº 1.185/2023. Com as alterações promovidas nas regras de tributação, a partir de 1º de janeiro de 2024, buscou a União atribuir um novo tratamento tributário aos incentivos fiscais, para submetê-los à incidência do IRPJ e da CSLL, independentemente de sua classificação.
Visando atenuar o custo tributário desta incidência, garantiu-se aos incentivos fiscais concedidos na forma de crédito presumido de ICMS um direito creditório, correspondente ao produto das receitas de subvenção pela alíquota de 25% do Imposto de Renda (IRPJ) devido, desde que observados certos requisitos, como a vinculação à implantação ou expansão de empreendimento econômico.
Todavia, a nova sistemática de tributação tem sido contestada pelos contribuintes perante o Poder Judiciário, sob o fundamento de que a violação ao pacto federativo não decorre da materialidade ou das normas específicas do IRPJ e da CSLL, mas sim do efeito decorrente da incorporação, por parte da União, de receitas renunciadas pelos Estados da Federação para fins de políticas fiscais, o que ocorre por meio da exigência de tributos de sua competência.
Com base neste cenário, sustenta-se que a tributação dos créditos presumidos de ICMS em nada se altera com a recente publicação da Lei nº 14.789/2023, o que vem sendo manifestado em diversas decisões proferidas pela Justiça Federal. Esse entendimento reforça a segurança jurídica em relação a essa forma de tributação, indicando que o entendimento firmado pelo STJ em 2017 deverá prevalecer.
Apesar da legitimidade dos fundamentos apresentados pelos contribuintes, é inegável que a Lei nº 14.789/2023 trouxe novas incertezas ao tratamento tributário dos créditos presumidos de ICMS, intensificando o debate sobre a interferência da União em políticas fiscais estaduais e conduzindo os contribuintes a buscar respaldo quanto à tributação destes incentivos perante o Poder Judiciário.
Diante deste contexto, enquanto não houver pacificação definitiva sobre o tema nos tribunais superiores, é essencial que os contribuintes acompanhem cuidadosamente os riscos e oportunidades gerados por essa nova sistemática tributária.
Manoela Brun Ruga
Advogada na P&R Advogados Associados