É do senso comum que as empresas que atuam no Brasil estão submetidas, na seara tributária, a uma extensa e complexa gama de deveres formais, cuja observância permite que mantenham sua regularidade fiscal e que a fiscalização e a arrecadação de tributos sejam facilitadas, concretizando o chamado “dever de colaboração”. Ocorre que o descumprimento dessas formalidades pode gerar consequências que extrapolam a conduta praticada ou que se deixou de praticar.
Não raras vezes os contribuintes são surpreendidos com autuações dos Fiscos estaduais exigindo-lhes o pagamento de tributo quando, na verdade, a infração praticada está relacionada tão somente à inobservância de alguma obrigação acessória. São diversos os fundamentos aos quais se socorrem as Autoridades Fiscais para amparar a cobrança de tributo em tais situações, porém, em essência, não há justificativa jurídico-tributária para tanto.
É importante notar que as obrigações tributárias acessórias são instrumentais e, ao mesmo tempo, autônomas em relação às obrigações tributárias principais, cabendo citar, a título exemplificativo, a escrituração das operações em livros fiscais, o envio de declarações ao Fisco e o correto preenchimento das notas fiscais – formalidades que não necessariamente estão vinculadas ao pagamento de tributo.
Quando essas obrigações acessórias não são respeitadas, o Código Tributário Nacional expressamente prevê a incidência de penalidade pecuniária. Por conta disso, é de praxe que as legislações e regulamentos estaduais tenham dispositivos específicos sobre multas para infrações meramente formais. Todavia, na prática, o anseio arrecadatório, muitas vezes, faz com que as Autoridades Fiscais encontrem justificativas para também exigir o recolhimento de tributo – mesmo quando já pago ou indevido.
Nesse contexto, não se pode perder de vista outra disposição de grande relevância no Código Tributário Nacional, segundo a qual “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador”. Logo, se o fato gerador previsto em lei não é praticado, não há falar em cobrança de tributo. Outrossim, quando ocorre a prática do fato gerador e o tributo é devidamente recolhido, não se mostra razoável que, em razão do mero descumprimento de uma obrigação acessória, seja imputado ao contribuinte o ônus de novamente recolher a obrigação principal.
Este raciocínio parece simples, mas nem sempre é adotado. Para ilustrar, convém mencionar algumas situações concretas de irregularidades no cumprimento de deveres formais nas quais houve a exigência de tributo de maneira infundada.
A primeira delas consiste na cobrança de ICMS pelo Estado de Minas Gerais quando o contribuinte deixou de observar o aspecto formal para a fruição do benefício fiscal previsto no Convênio ICMS n° 100/97. Naquela ocasião, o valor do imposto devido nas operações com base de cálculo reduzida não integrou o custo da empresa, ou seja, não compôs a margem comercial, tendo em vista que o valor deduzido havia sido repassado às destinatárias; verificava-se tão somente a ausência dessa informação nos documentos fiscais. Ainda assim, o Fisco mineiro exigiu o imposto, além de multa de revalidação e multa isolada.
Outra situação pertinente ocorreu no Estado de São Paulo. Trata-se de um caso no qual o contribuinte não seguiu as regras próprias para o cancelamento de notas fiscais de saída, em que pese a operação de circulação de mercadorias efetivamente não tenha ocorrido. Entretanto, desconsiderando a ausência de materialidade, o Ente Público cobrou o valor do ICMS, somado de multa e juros.
Demais disso, existem casos em que o Agente Fiscal desvirtua a natureza da obrigação acessória como meio de coagir o contribuinte ao pagamento de certa quantia, impedindo o regular exercício de suas atividades empresariais. Isso pode ser observado, por exemplo, quando são impostos óbices abusivos à obtenção ou renovação de certidão positiva ou negativa com efeitos de negativa e quando inscrições estaduais são canceladas.
O que se denota, nesse cenário, é que a assimetria entre as posições do Estado e do sujeito passivo gera reflexos no âmbito dos deveres formais, abrindo margem para a cobrança de tributos não devidos. Desse modo, o contribuinte que for autuado em decorrência de alguma irregularidade relacionada ao descumprimento de obrigação acessória deve estar atento quanto às exigências que lhe foram impostas e, verificando cobranças descabidas, deve exercer seu direito de defesa.
Giulia Scheuermann
Advogada na P&R Advogados Associados