O Supremo Tribunal Federal (“STF”), por meio do Tema de Repercussão nº 863 (RE 736.090/SC)[1], busca definir o limite da multa qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio.
O julgamento teve início no dia 01/07/2024, mas foi interrompido pelo pedido de destaque do Ministro Flávio Dino. O julgamento será retomado na sessão presencial do dia 14/08/2024.
Com o voto do Ministro Relator Dias Toffoli já disponível, foram identificadas algumas questões relevantes, especialmente no que diz respeito à modulação dos efeitos da decisão.
Voto do Min. Dias Toffoli:
De início, vale notar que o Ministro Dias Toffoli, em coerência com o seu voto no julgamento do Tema 487 (que trata de multas isoladas – julgamento não encerrado)[2], apresentou questionamentos sobre o sistema de sanções tributárias, propondo soluções que busquem a efetividade dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das multas.
Após considerações sobre a jurisprudência do STF, o Ministro entendeu que o limite que a multa qualificada em razão de fraude, sonegação ou conluio pode alcançar, sem resultar em confisco, é de 150%, nos casos de prática reiterada e de 100% nos demais casos:
Tese sugerida:
Até que seja editada lei complementar federal sobre a matéria, a multa tributária qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio limita-se a 100% (cem por cento) do débito tributário, podendo ser de até 150% (cento e cinquenta por cento) do débito tributário caso se verifique a reincidência definida no art. 44, § 1-A, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 14.689/23.
Com relação à modulação dos efeitos da decisão, a proposição está alinhada com outras da corte. No entanto, é crucial entender que Termo inicial da modulação será (caso prevaleça o voto do Ministro Dias Toffoli) a publicação da ata de julgamento, estando ressalvadas as ações judiciais e os processos administrativos pendentes de conclusão.
Considerações:
Algumas questões e pontos de observação surgem da análise do voto. A primeiro decorre da abrangência da decisão.
Isso porque, o Ministro deixou claro que não se trata da análise da constitucionalidade da Lei Federal 9.430/96, mas da definição de qual o limite que a União, os Estados e os Municípios deverão seguir ao aplicar a multa qualificada, sem incorrer em confisco.
Assim, se o acórdão seguir nos termos do voto, implicará em relevante paradigma para discussões envolvendo a referida multa em âmbito municipal e estadual. Além disso, o voto consignou em diversos momentos que as sanções tributárias devem guardar proporcionalidade com a conduta do contribuinte e a violação da norma.
Deste modo, vale refletir que, se as condutas de fraude e sonegação são penalizadas em 100%, não poderia um mero erro de preenchimento, divergência de interpretação ou mesmo o não pagamento do tributo, gerar penalidade equivalente.
Inclusive, uma das citações utilizadas pelo Ministro, “por ser esclarecedora”, é o voto do atual Ministro do STJ Joel Ilan Paciornik quando ainda Desembargador perante o Tribunal Regional da 4ª Região[3], que indica que o limite confiscatório da multa qualificada é diferente do limite que deve ser considerado confiscatório para outras multas:
Os aspectos subjetivos dessas infrações tornam os limites da proibição de efeito confiscatório mais permeáveis e elásticos do que se entenderia como razoável, caso se tratasse de uma infração objetiva. Não se revela consentâneo com o ideal de justiça tributária penalizar em patamar semelhante o contribuinte que deixa de pagar ou de declarar o tributo, sem intuito doloso, e o contribuinte que sonega, frauda ou age em conluio.
Portanto, partindo desta linha de entendimento, deve-se considerar que eventuais multas de ofício (não qualificadas) com percentual igual ou próximo a 100% do tributo devido configuram-se confiscatórias.
Neste sentido, entendemos que há bons argumentos para eventuais ações que questionem multas pagas ou cobradas no patamar de 100% sem que tenha ocorrido qualquer conduta dolosa por parte do contribuinte.
Outro ponto que merece atenção é a possível modulação dos efeitos, que, no voto comentado, ressalvou as ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão no momento da publicação da ata de julgamento.
Isso porque, caso o contribuinte esteja no “limbo” entre o fim do processo administrativo e a ação judicial, não estaria ressalvado da modulação, supostamente não aplicando-se a redução da penalidade.
Para fins de segurança, é fundamental que seja ajuizada alguma medida judicial para os casos que se encontrem nessa situação antes do dia 14/08/2024 (data da sessão de julgamento), a fim de que, prevalecendo o entendimento do Min. Dias Toffoli, não sejam afetados eventualmente pela modulação dos efeitos da decisão.
Diante do exposto, entendemos que há bons argumentos para questionar multas aplicadas no patamar de 100% sem considerar conduta dolosa do contribuinte.
Por outo lado, nos casos de aplicação em que o contribuinte sofreu com a cobrança ou mesmo realizou o pagamento de multa qualificada acima de 100%, sem a consideração de reincidência, é recomendável o ajuizamento de medidas judiciais para garantir que suas situações sejam analisadas sob os novos parâmetros antes da modulação dos efeitos.
O Escritório P&R Advogados Associados se coloca à disposição para maiores esclarecimentos acerca do tema.
Por Samuel Jefte Vieira Cavalcanti Matias
Advogado tributarista na Pimentel & Rohenkohl Advogados
[1] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4370056,
Tema de Repercussão Geral nº 863: “Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.”
[2] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4071634
Tema de Repercussão Geral nº 487: “Caráter confiscatório da “multa isolada” por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental.”
[3] Proferido na Arguição de Inconstitucionalidade nº 2005.72.06.001070-1, julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.