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01/12/2023

STF INDICA QUE JULGARÁ VALIDADE DE PRAZO ESTENDIDO DA AÇÃO RESCISÓRIA, COM IMPACTO NA “TESE DO SÉCULO”

01/12/2023

O STF tem sinalizado, em recentes sessões plenárias, que analisará a constitucionalidade dos artigos 535, §8º, e 525, §15º, do Código de Processo Civil, que preveem o que o ministro Fux chamou de “ação rescisória atemporal”, porque modificam, em determinadas situações, a regra geral do prazo decadencial da ação rescisória fundada em manifesta violação a norma jurídica: o termo a quo do biênio deixa de ser o trânsito em julgado da decisão rescindenda, em que determinada norma foi aplicada, e passa a ser o trânsito em julgado do precedente do STF (inexistente à época do trânsito em julgado da decisão que se busca rescindir) que declarar a inconstitucionalidade daquela norma.

Além de reflexos em diversas outras matérias, a discussão impactará na “tese do século”, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, nos casos em que a União ajuíza ação rescisória buscando aplicar a modulação de efeitos decidida, em 2021, no julgamento dos embargos de declaração do paradigma do Tema 69 de repercussão geral.

A discussão, por exemplo, foi proposta no julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 958252, paradigma do Tema 725, de relatoria do ministro Fux, que analisou a licitude da contratação de mão-de-obra terceirizada, para prestação de serviços relacionados com a atividade-fim da empresa tomadora de serviço. O julgamento do recurso ocorreu esta semana, em 29/11, tendo a Corte decidido por não avançar na discussão. Não obstante, o ministro relator havia trazido, em seu voto anterior, substanciais argumentos para declarar a inconstitucionalidades destas normas.

Em seu voto, o ministro Fux havia considerado inconstitucionais as disposições do CPC: “não há como se admitir a possibilidade de rescisão de decisões transitadas em julgado após o transcurso de lapso temporal indefinido, sob pena de se restringir excessivamente a garantia fundamental da coisa julgada, a ponto de vulnerar o seu núcleo essencial”. Deste modo, propôs interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos, assentando a seguinte tese:

“A ação rescisória de que tratam os §§15 do art. 525 e o 8º do art. 535 do CPC, em respeito à segurança jurídica, deve ser proposta no prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado da publicação da sentença ou acórdão que se fundou em ato normativo ou lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no curso desse biênio”.

A discussão sobre a constitucionalidade destas normas remonta à discussão sobre a definição da tese dos Temas 881 e 885 (limites da coisa julgada nas relações tributárias de trato sucessivo), em fevereiro deste ano, em que os ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux primeiro trouxeram a questão. Na ocasião, o ministro Gilmar afirmou: “em outra oportunidade, gostaria de fazer considerações sobre a disciplina do Código de Processo Civil a propósito dessa temática da rescisória a partir da declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, porque, de fato, ela abre ensanchas para uma revisão de coisa julgada já depois de muitos anos, pode ser que, daí a 20 anos, venha uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo, o que não faz nenhum sentido. Eu já até antecipo que tenho posição hoje muito clara no sentido de declarar a inconstitucionalidade desse dispositivo do CPC, mas isso fica para outro momento.”

O ministro Fux, no debate, procurou buscar interpretar as normas de acordo com o que fora discutido na comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do Código de Processo Civil de 2015. Afirmou que, “quando o dispositivo diz que se a decisão referida, que é a decisão de inconstitucionalidade, for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória. O que a comissão entendeu foi que essa decisão de declaração de inconstitucionalidade deveria vir no prazo bienal, porque senão teríamos uma ação rescisória atemporal. Veja que a interpretação é equivocada, tanto que o Ministro Gilmar já anunciou que não concorda com esse dispositivo, porque ele daria chance à Fazenda, a qualquer momento que for declarada a inconstitucionalidade, daqui a 20 anos, de promover a rescisória”.

Em 16/11, a questão novamente foi trazida no julgamento dos embargos de declaração nos temas 881 e 885, que buscaram esclarecer pontos sobre a modulação de efeitos da tese. O ministro Fux, que votava a favor da modulação, referiu que, antes do julgamento dos temas, o entendimento da Corte era pela necessidade de ação rescisória. Incidentalmente, o ministro afirmou que se poderia trazer já naquele momento a questão da inconstitucionalidade dos dispositivos. “Eu imaginei, como já fizemos em outras ocasiões, de dar esta interpretação conforme ao artigo. Esta racio, do meu modo de ver, determina que se dê interpretação conforme aos artigos, no sentido de que a ação rescisória será cabível se a declaração de inconstitucionalidade advier no biênio decadencial“, afirmou. O ministro Barroso, então, declarou que “deixaria de fora dessa discussão, porque é uma discussão própria e complexa que acho que nós vamos ter que fazer em outros momento.”

Poucos dias antes, na sessão de 09/11, a matéria havia sido também debatida, no julgamento do RE 586068 (Tema 100), que, entre outros assuntos, trata da possibilidade de desconstituição de decisão judicial, proferida no âmbito dos Juizados Especiais Federais, fundada em norma posteriormente declarada inconstitucional. O ministro Gilmar reforçou que a previsão do §8º do art. 535 do Código de Processo Civil “abre realmente uma porta enorme para discussão”. O ministro Barroso ressaltou: “essa é uma discussão que merece uma sessão. (…) Oportunamente vamos discutir. Acho que é uma discussão importante. E com argumentos relevantes para um lado e para o outro“.

Como mencionado, a tese a ser firmada sobre os artigos 535, §8º, e 525, §15º, do Código de Processo Civil terá impacto, por exemplo, em uma discussão tributária bastante atual e significativa. Como amplamente noticiado, a União tem feito uso de ação rescisória contra casos em que o contribuinte, depois de 15/03/2017 (data de julgamento do RE 574.706, paradigma do Tema 69/STF), ingressou com ação visando à declaração do direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS e obteve o seu trânsito em julgado antes de 13/05/2021 (data do julgamento dos Emb. Decl. no RE 574.706, em que fixada a modulação de efeitos). A Fazenda Nacional busca a desconstituição da coisa julgada formada nestes casos e novo julgamento de mérito, para definir que o direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS abrange apenas os fatos geradores ocorridos a partir de 16 de março de 2017, isto é, excluindo a recuperação do indébito abarcada no lustro prescricional.

Ocorre que, em alguns destes processos, a União não ingressou com a ação rescisória dentro do prazo decadencial previsto no art. 975, caput, do Código de Processo Civil, isto é, o biênio contado do trânsito em julgado do processo em que proferida a decisão rescindenda. Nestes casos, a Fazenda faz uso, para contagem do prazo decadencial para a rescisória, da previsão do art. 535, §8º.

Assim, nestas ações rescisórias envolvendo a modulação do Tema 69/STF, a Fazenda Nacional tem sustentado que o seu direito à ação rescisória não decaiu porque, nestas situações, as ações são ajuizadas dentro do prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado do RE 574.706 (paradigma do Tema 69), que ocorreu em 09/09/2021. O prazo final para ajuizamento destas ações rescisórias, contando-se o prazo decadencial desta forma, se encerrou, portanto, em 09/09/2023.

Caso sejam declarados inconstitucionais os artigos 535, §8º, e 525, §15º, do Código de Processo Civil, no que toca a esta forma de contagem do prazo decadencial, estas ações rescisórias deverão ser julgadas improcedentes, de modo favorável aos contribuintes – inclusive para aqueles casos em que as empresas, em suas contestações, não suscitaram a decadência do direito da União à rescisão do julgado. Isto porque a decadência é uma matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício pelo juiz, conforme art. 210 do Código Civil.

Como se percebe, ainda que não exista um “tema próprio” de repercussão geral sobre o assunto, alguns ministros do STF, inclusive o Presidente, ministro Barroso, já manifestaram em diversas oportunidades que deverão se debruçar, em algum momento, sobre a análise da constitucionalidade dos artigos 535, §8º, e 525, §15º, do Código de Processo Civil, matéria que poderá resolver importante discussão tributária do momento.

 

VINÍCIUS KRUPP

Advogado na P&R Advogados Associados.

 

 

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