Após a retomada do voto de qualidade nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o assunto em destaque em âmbito federal é a abertura de novos editais de transação tributária. Recentemente, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) manifestou a possibilidade de abertura de negociações com os contribuintes para regularizar e dirimir o contencioso tributário relacionado à tomada de créditos de PIS e COFINS, especialmente àquele atinente à possibilidade de creditamento pela definição de insumo, nos termos previstos no artigo 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.
A estimativa do Governo Federal é de que a transação gere uma entrada nos cofres públicos de R$ 12 bilhões de reais para o próximo ano, conforme vem sendo noticiado pela imprensa[1], além de ocasionar uma redução da litigiosidade tributária.
A negociação com os contribuintes relacionada a este tema decorre dos inúmeros desdobramentos ocasionados pelo entendimento firmado no julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, firmado pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema 779), pelo Superior Tribunal de Justiça em 2018.
Na ocasião, entendeu a Corte Superior que o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e COFINS deveria ser aferido à luz de dois critérios, quais sejam: a essencialidade, que está atrelada à ideia de o item constituir um elemento estrutural do processo produtivo ou da execução do serviço, e a relevância, que é identificável no item cuja finalidade integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.
Não obstante o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, a Receita Federal do Brasil vem normatizando, de forma infralegal[2], as hipóteses em que o contribuinte pode exercer o seu direito creditório em face de suas despesas, haja vista a subjetividade dos critérios de relevância e essencialidade.
Por tal razão, não obstante os efeitos positivos da transação tributária, como a concessão de condições de pagamento mais favoráveis ao contribuinte, possibilitando parcelamentos ou até descontos da dívida, o tema deve ser visto com cautela. Isso porque, ainda que a Corte Superior tenha adotado critérios subjetivos quanto à apropriação dos créditos, possibilitando a sua análise casuística, a Receita Federal tende a adotar um posicionamento por vezes muito mais restritivo para fins de definição de insumo, glosando indevidamente determinados dispêndios e dando margem a litígios administrativos e judiciais.
Um exemplo desta situação é o entendimento da Receita Federal quanto à impossibilidade de aproveitamento dos créditos relacionados a dispêndios assumidos pelas empresas nos Acordos e Convenções Coletivas, que se caracterizam como despesas compulsórias em face de seu efeito normativo após a Reforma Trabalhista. O mesmo acontece com os dispêndios de frete na aquisição de insumos não tributáveis, dentre outros inúmeros casos que poderiam ser mencionados.
Enquanto a Receita Federal afasta qualquer apropriação de créditos sobre referidas rubricas, o judiciário, por vezes, entende pela possibilidade de aproveitamento destes créditos a depender da essencialidade e relevância para a atividade econômica desenvolvida pelos contribuintes
É inegável que a possibilidade de transacionar débitos em contencioso tributário pode servir como uma solução mais ágil e econômica para fins de conformidade fiscal. No entanto, embora benéfica, essa medida demanda uma análise crítica caso a caso, sob o risco de se admitir a legalidade das interpretações restritivas da Receita Federal que vão de encontro ao entendimento firmado pelo judiciário.
Diante deste contexto, para que a recuperação financeira estimada pelo Governo Federal produza seus efeitos pretendidos, deverão atentar-se para a abordagem que será adotada nesta negociação. Por exemplo, caso se opte por manter a obrigatoriedade de inclusão de todos os débitos constituídos com base nessa divergência de posicionamento – como acontecia nas transações de contencioso tributário anteriormente firmadas[3] –, haverá uma redução significativa na sua aderência.
Apesar das críticas aqui colocadas especificamente quanto a este tema, deve-se ressaltar que as expectativas quanto à abordagem da transação são positivas considerando o posicionamento atual da Fazenda Nacional. Conforme se verifica dos últimos atos publicados pela administração, como a Portaria PGFN nº 1.241/2023, que consiste no aprimoramento da aferição da capacidade de pagamento presumida e os procedimentos para sua revisão instituídos pela Lei nº 13.988/2020, há uma busca constante no aperfeiçoamento destas negociações, o que demonstra a preocupação com a confiabilidade e transparência aos contribuintes.
Manoela Brun Ruga, advogada no Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados.
Porto Alegre, 27 de outubro de 2023.
[1] Disponibilizado pelo Gov.Br. Acesso em https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/pgfn-preve-recuperar-r-46-bi-em-debitos-inscritos-na-divida-ativa-em-2024
[2] Parecer Normativo COSIT nº 05, de 17 de dezembro de 2018, Instrução Normativa nº 2.121/2022 e demais soluções de consulta sobre o tema.
[3] Edital de Transação por Adesão RFB/PGFN Nº 11, de 19 de maio de 2021