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04/08/2023

Controvérsias em torno da tributação de marketplaces por estados e municípios

04/08/2023

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) decidiu que a empresa Uber não é solidariamente responsável pelo recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS) incidente sobre a prestação de serviço de transporte realizada pelos motoristas nela cadastrados. Esta exigência vinha sendo praticada pelo Município de Guarulhos, com base no Decreto Municipal nº 35617, que prevê que as Empresas Gestoras de Sistemas por Aplicativos (EGSA) devem recolher, na fonte, o ISS incidente sobre o serviço de transporte.

O TJSP, contudo, afastou a responsabilização da empresa (que atua apenas como intermediadora da prestação de serviço do motorista ao passageiro), ao argumento de que, ao responsabilizá-la, o referido decreto desconsiderou a diferença entre o regime tributário dos motoristas – trabalhadores autônomos ou MEIs, que se sujeitam ao recolhimento por valor fixo, um regime especial de tributação – e o da plataforma intermediária. Noutras palavras, uma vez que o motorista se sujeita a regime de tributação diverso do regime da empresa e que, na substituição, o substituto deve recolher o tributo nas mesmas condições do substituído, a legislação não respeitou a capacidade contributiva de ambos, obrigando a empresa a recolher o ISS conforme regime tributário diverso do seu. Além disto, a legislação violou as normas gerais em matéria tributária e incorreu em bitributação, pois prevê retenção do imposto sobre o preço total do serviço de transporte, quando o contribuinte (motorista) se sujeita ao recolhimento por valor fixo.

O caso de Guarulhos não é um fato isolado. Diversas leis estaduais têm estendido a responsabilidade pelo recolhimento de tributos às plataformas digitais intermediadoras. Neste sentido, por exemplo, é a Lei nº 23.894/2021, do estado de Minas Gerais. De acordo com esta lei, “as pessoas prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual” são solidariamente responsáveis pelas obrigações tributárias, inclusive pelo recolhimento do ICMS. A lei, ainda, não fixa critério algum para que os marketplaces sejam responsáveis apenas subsidiários pelo recolhimento do tributo (a exemplo do não recolhimento por parte do vendedor que é usuário da plataforma), sendo eles desde logo solidariamente responsáveis pelo pagamento dos tributos incidentes sobre as atividades dos seus usuários.

De igual modo, a Lei nº 11.615/2019 do estado da Paraíba previu que são solidariamente responsáveis pelo recolhimento do ICMS “as empresas que, por meio de aplicativos, softwares e/ou plataformas de informática, realizem intermediação”. Esta lei prevê, também, que as referidas plataformas intermediadoras são “obrigadas a fornecer à Secretaria de Estado da Fazenda – SEFAZ-PB, até o último dia do mês subsequente, as informações relativas às operações realizadas pelos beneficiários de pagamentos que utilizem os instrumentos de pagamento referentes às transações com cartões de débito, crédito, de loja (private label) e demais instrumentos de pagamento”, constituindo clara obrigação acessória.

A responsabilização das plataformas pelo recolhimento do ISS e do ICMS, da forma como prevista nestas legislações, é tema bastante controvertido e questionável. Para que as plataformas intermediadoras possam ser responsabilizadas pelo recolhimento dos tributos (cujo pagamento cabe, originalmente, ao usuário da plataforma digital que vende ou presta serviço), há elementos exigidos pelas normas gerais de tributação que devem ser respeitados pelas legislações estaduais e municipais.

Neste sentido, o Código Tribunal Nacional (CTN) e a Constituição Federal (CF) preveem que haverá a responsabilização de terceiro (a exemplo dos marketplaces) ou a solidariedade pelo pagamento do tributo, acaso, respectivamente, as plataformas estejam vinculadas ao fato gerador (fato que provoca a incidência da legislação tributária) ou possuam interesse comum com o responsável original do pagamento do tributo (usuário prestador de serviço ou vendedor).

Uma vez analisadas à luz do CTN e da CF, conclui-se que as leis dos estados de Minas Gerais e da Paraíba não observam os requisitos necessários à responsabilização das plataformas, já que ambas fixam como responsáveis, de antemão, os marketplaces, indiferentemente ao fato de as plataformas intermediadoras terem cumprido suas obrigações legais (por exemplo, recolhimento do ISS sobre o serviço de intermediação via plataforma digital ou o envio de informações ao Fisco, de modo a cumprir suas obrigações principais e acessórias) ou, inclusive, ao fato de as plataformas simplesmente não poderem ser responsabilizadas pelo não recolhimento do tributo, cujo pagamento caberia ao usuário vendedor ou ao prestador de serviço, considerando que os marketplaces não participam, por exemplo, da venda de produtos realizadas por meio das suas plataformas digitais (razão pela qual não estariam vinculados ao fato gerador, tampouco possuiriam interesse comum), mas tão somente disponibilizam ao vendedor ou ao prestador de serviços o ambiente digital por meio do qual efetuarão a operação de venda ou a prestação de serviço.

É bastante discutível a interpretação dos fiscos estaduais e municipais de que os marketplaces estão vinculados ao fato gerador dos tributos e que possuem interesse comum com o vendedor ou prestador de serviço que se utiliza de sua plataforma digital. O que ocorre é o oposto: as empresas vinculam-se aos fatos geradores da prestação de serviço decorrente da intermediação de vendas ou serviços por meio de ambiente digital, mas não ao fato gerador, por exemplo, do ICMS, que surge a partir da celebração de contrato de compra e venda pelo vendedor e pelo comprador (ambos utilizando-se da plataforma). O tributo ICMS, portanto, está desvinculado da atividade das plataformas intermediadoras, vinculando-se, isto sim, às atividades dos usuários da plataforma digital.

A responsabilização das plataformas digitais intermediadoras de comércio e prestação de serviços, ainda que se trate de assunto recente, pode ser discutida administrativa e judicialmente em casos semelhantes aos de Guarulhos, Minas Gerais e Paraíba.

O escritório P&R Advogados Associados acompanha o tema e fica à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos.

Vinícius Krupp e João Arthur da Silva Kroeff,

Advogado e estagiário na P&R Advogados Associados.

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