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14/07/2023

O retorno do voto de qualidade e os temas subsidiários do projeto de Lei Nº 2.384/2023

14/07/2023

A pauta econômica ganhou destaque na última semana com as recentes aprovações na Câmara dos Deputados em matéria tributária. Além da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 45/2019, que dispõe sobre a reforma tributária dos impostos sobre o consumo, a Câmara concluiu a votação do projeto de lei (nº 2.384/2023) para aprovar o retorno do voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que será objeto de análise neste artigo.

O voto de qualidade consiste em um mecanismo existente no âmbito dos processos administrativos federais, que atribui ao presidente da sessão de julgamento do CARF – cargo que é sempre ocupado por um representante da Fazenda Nacional – um duplo voto de representação nos julgamentos em que há empate.

A despeito das inúmeras críticas quanto à constitucionalidade desse mecanismo, especialmente pela prevalência dos interesses da Fazenda Nacional, o voto de qualidade foi extinto apenas no ano de 2020 por alteração da Lei nº 10.522/2002. Na ocasião, foi determinado que, diante de empate no julgamento, a discussão se resolveria favoravelmente aos contribuintes.

No entanto, sob a justificativa da necessidade de arrecadação para o novo governo, foi publicada a Medida Provisória nº 1.160/2023 no início deste ano, retomando o voto de qualidade no âmbito do CARF. Em decorrência do término do prazo para sua votação no Congresso e consequente conversão em lei, a medida deixou de produzir seus efeitos a partir de junho.

Buscando a retomada do tema, o Poder Executivo enviou à Câmara dos Deputados um parecer para a redação do Projeto de Lei nº 2.384/2023. Ainda que o texto inicialmente apresentado tenha sofrido diversas alterações durante o trâmite de sua aprovação, a Câmara decidiu na última semana aprovar o texto de lei que prevê que os resultados dos julgamentos no CARF, na hipótese de empate na votação, serão proclamados pelo voto de qualidade do conselheiro presidente, representante da Fazenda Nacional.

Além de questionável a justificativa arrecadatória adotada para fins de manutenção desse mecanismo (não obstante a discussão jurídica do procedimento, que sequer foi abordada pelo Projeto), a redação aprovada tem levantado outros debates polêmicos sobre o tema, em especial a exclusão das multas de ofício e dos juros de mora, decorrente de acordo entre o governo federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em síntese, os contribuintes que perderem as discussões por voto de qualidade poderão ser “beneficiados” com a exclusão da multa de ofício, bem como dos juros de mora incidentes – desde que, neste segundo caso, manifestem a intenção de realizar o pagamento da dívida mantida em até 90 dias. Este pagamento poderá, inclusive, ser realizado em 12 parcelas, com a utilização de precatórios, prejuízo fiscal e/ou de base de cálculo negativa.

Essa medida busca amenizar os impactos econômicos e financeiros decorrentes da perda da discussão pelos contribuintes por conta da dúvida quanto à aplicação da norma tributária, que é atestada propriamente pela divergência dos conselheiros durante o julgamento.

Sob a perspectiva do contribuinte, todavia, o pagamento dos débitos no caso de empate em julgamento perante o CARF – tribunal que é especializado em matéria tributária e aduaneira – ocorrerá em raras exceções. Isso, porque a própria discussão perante o Poder Judiciário ganhará ainda mais fundamento, em razão da concordância de metade dos julgadores, por vezes até representantes da Fazenda Nacional.

Indo adiante, outra medida abordada no texto refere-se à relativização da apresentação de garantia para discussão da dívida perante o poder judiciário, já que o projeto de lei traz a possibilidade aos contribuintes de ter afastada essa exigência caso comprovada a sua capacidade de pagamento, quando a discussão do débito ocorra após a perda no CARF por voto de qualidade. Inclusive, o texto prevê a suspensão do curso das execuções fiscais de forma a evitar as referidas constrições patrimoniais.

Em que pese seja incerto o desfecho do Projeto de Lei nº 2.384/2023 aprovado pela Câmara dos Deputados, visto a possibilidade de modificação do texto pelo Senado, a sua redação busca efetivamente o aumento da arrecadação propondo “facilidades” de pagamento em discussões que, via de regra, os contribuintes terão chances de êxito no judiciário, sendo necessário a avaliação das peculiaridades de cada caso.

Manoela Brun Ruga,

Advogada tributarista na P&R Advogados.

 

 

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