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07/07/2023

Ágio, investimento estrangeiro e perspectivas sobre o voto de qualidade no CARF

07/07/2023

A possibilidade de deduzir das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL o ágio pago na aquisição de empresas é um incentivo às operações de M&A no Brasil. Esse ágio, baseado na rentabilidade futura, é, em linhas gerais, a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor justo dos ativos líquidos da adquirida, na forma da disciplina da Lei 12973/2014.

Um dos requisitos mandatórios para que esse ágio seja aproveitado é a união patrimonial entre investida e investidora. Em outras palavras, a adquirente deve incorporar a empresa alvo ou ser por ela incorporada, e, a partir de então, a amortização do ágio pago passa a receber o tratamento de despesa fiscal, sendo dedutível da apuração do lucro real no prazo de 60 meses.

Surge a controvérsia, entretanto, quando os recursos para a aquisição da empresa brasileira têm origem no exterior, porque é juridicamente impossível que uma empresa estrangeira incorpore uma empresa brasileira ou seja por ela incorporada. Para solucionar essa impossibilidade jurídica e permitir o aproveitamento fiscal do ágio, o investidor estrangeiro costuma constituir e capitalizar uma sociedade holding no Brasil, que atuará como um veículo para a aquisição da empresa alvo e, quando concluída a transação, será incorporada para cumprir o requisito legal da união de patrimônios.

Acontece, porém, que essa operação (constituição de veículo para investimento), que pelos contribuintes (e por nós) é entendida como um planejamento tributário lícito, baseado em negócio jurídico praticado em conformidade com a lei, é tratada pelo fisco como simulação e fraude, em razão de, em tese, não haver propósito negocial. As consequências dessa interpretação de cunho arrecadatório costumam ser quatro: (i) a glosa das despesas de ágio, (ii) multa de ofício qualificada – 150%, (iii) multa isolada – 50% e (iv) responsabilização dos administradores estatutários.

Apesar dessa interpretação distorcida da fiscalização federal acerca da utilização de veículo para investimento, o tema vinha se resolvendo favoravelmente aos contribuintes na própria esfera administrativa. De fato, eram desconstituídas, no CARF, as autuações, para considerar válida a constituição de sociedade com capital oriundo de investidor estrangeiro que, depois de incorporada, teve seu ágio aproveitado como despesa fiscal na empresa brasileira adquirida/incorporadora.

Esse entendimento pró-contribuinte na instância administrativa, sem dúvida, teve como pretexto a Lei Federal nº 13.988, de 14 abril de 2020, que deu fim ao voto de qualidade favorável à Fazenda. Isso significa, em outros termos, que antes da referida medida legal, em caso de empate nos julgamentos do CARF, o caso era considerado como decidido contra o contribuinte; sob a vigência da lei, o cenário mudou, e os contribuintes passaram a ter suas pretensões acolhidas para desempatar os casos no colegiado.

O interesse de aumentar a arrecadação que marca o atual governo, todavia, resultou na edição da Medida Provisória nº 1.160, de 12 de janeiro de 2023, que retomou o voto de qualidade no CARF a favor da Fazenda. Com isso, entendimentos jurisprudenciais, como o da dedutibilidade do ágio aqui tratado, que vinham se consolidando desde 2020 passaram a, novamente, ser decididos favoravelmente ao fisco.

Essa Medida Provisória, contudo, foi efêmera, pois não foi convertida em lei e perdeu sua vigência em 1º de junho deste ano, estando hoje em vigor a lei de 2020. Em razão disso, o Planalto tenta aprovar no Congresso o Projeto de Lei nº 2384/23 que, mais uma vez, retomaria o voto de qualidade a favor do fisco; a Procuradoria da Fazenda Nacional, enquanto isso, pede no CARF a retirada de pauta de todos os casos em que avalia haver chance de empate, no que se incluem aqueles que tratam da dedutibilidade do ágio.

Essa celeuma política gera, com certeza, insegurança jurídica a investidores estrangeiros, para quem o aproveitamento do ágio na aquisição de empresa brasileira é uma incerteza. Efetivamente, resta-nos esperar um posicionamento legislativo para que a decisão do aporte de recursos externos no Brasil seja tomada em um cenário juridicamente seguro, ou, ao menos, previsível, quanto ao tratamento fiscal do ágio.

Tiago Haubrich Braum

Advogado na P&R Advogados Associados.

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