Por Danilo Vital
A majoração de 1% da alíquota Cofins a produtos importados, feita de maneira generalizada pelo parágrafo 21º do artigo 8º da Lei 12.844/2013, é aplicável também aos produtos que anteriormente foram taxados com alíquota zero pela mesma lei.
Com essa conclusão, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pela Fazenda Pública para permitir o recolhimento de Cofins pela importação de motores de avião feita pela Azul Linhas Aéreas.
Esses itens, bem como aeronaves e outros de seus componentes, se encontram entre os listados pelo parágrafo 12 do artigo 8º da Lei 10.865/2004, para os quais a alíquota da contribuição à Cofins é zero.
A partir de 2011, o governo incluiu na lei o parágrafo 21 do artigo 8º, com a previsão de que, para todos os produtos incluídos no artigo 8º, a alíquota da Cofins-Importação sofresse aumento de 1%.
Ou seja, existe um aparente conflito de normas: uma que aumenta de maneira generalizada o Cofins-Importação em 1% e outra que fixa de maneira específica a alíquota zero para determinados produtos.
Por maioria de 3 votos a 2, a 1ª Turma entendeu que deve prevalecer a norma que aumenta a alíquota em 1%, pois essa foi a opção feita pelo legislador de forma indistinta. Seja qual fosse a alíquota anteriormente praticada, ela deveria ser acrescida conforme o parágrafo 21 do artigo 8º.
Essa posição unifica a jurisprudência da Seção de Direito Público do STJ. A 2ª Turma também se posiciona da mesma maneira no caso das aeronaves, conforme o precedente fixado no Recurso Especial 1.899.384.
Diferenciação
Prevaleceu na 1ª Turma o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, acompanhado pelos ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria. Para eles, não existe antinomia de normas quando um dispositivo estabelece uma alíquota — ainda que seja zero — e outro estabelece a adição de alíquota no mesmo artigo de lei.
Para chegar a essa conclusão, foi preciso estabelecer a diferenciação com precedente recente do colegiado, que em setembro de 2020 estabeleceu que esse mesmo aumento de 1% da Cofins-Importação não incide sobre medicamentos previstos em lei.
A sutileza é que aquele caso tratou do parágrafo 11 do artigo 8º da Lei 10.865/2004, que autorizou o Poder Executivo a reduzir a zero as alíquotas da Cofins incidentes sobre remédios e produtos farmacêuticos.
Ou seja, qualquer que fosse o índice que o Poder Executivo escolhesse — e no caso era zero — ela não poderia ser alterada pela inclusão do parágrafo 21, que aumenta a alíquota em 1%
Já no caso dos motores de aeronaves, o parágrafo 12 do artigo 8º traz alíquota ordinária expressamente prevista como sendo zero. Assim, segundo o ministro Benedito, torna-se “indiscutível o reflexo imediato do acréscimo de alíquota determinado posteriormente pelo parágrafo 21 do artigo 8º”.
Insegurança jurídica
A suficiência ou não dessa diferenciação é justamente o ponto que levou a ministra Regina Helena Costa a abrir divergência, em voto-vista nesta terça-feira (5/10).
Para ela, a solução no caso dos motores de aeronaves deve ser a mesma dos remédios importados porque, apesar de peculiaridades, o cenário normativo e jurisprudencial é o mesmo.
Assim, aplica-se o princípio da especialidade. O parágrafo 12 do artigo 8º, ao zerar alíquotas para alguns bens — entre eles os motores de aeronaves — é norma especial que prevalece sobre o parágrafo 21 do artigo 8º, norma geral que aumenta a alíquota em 1% de forma indiscriminada.
Essa posição, vencida, foi acompanhada pelo desembargador convocado Manoel Erhardt, que chamou a atenção para a confusão criada pelo legislador com a inclusão do parágrafo 21 do artigo 8º da Lei 10.865/2004.
“Até parece que foi feito para não chamar a atenção especificamente para aquela situação [de aumento de cobrança]. Até por questão da lealdade que o poder público deve ter perante contribuinte, isso exigiria uma maior clareza: se fosse para instituir alíquota, deveria ter revogado alíquota zero”, destacou.
Discussão interminável
Ao acompanhar o relator, o ministro Gurgel de Faria reservou a si próprio o direito de reexaminar a matéria em casos futuros, especialmente porque a discussão deve voltar ao STJ para tratar de outros bens que tiveram a alíquota zerada pelo parágrafo 12 do artigo 8 da Lei 10.865/2004.
Dentre eles há materiais e equipamentos destinados ao emprego na construção, conservação, modernização, conversão ou reparo de embarcações; papel destinado à impressão de jornais; máquinas, equipamentos e películas destinados à indústria cinematográfica e audiovisual.
A alíquota da Cofins-importação também é zerada para gás natural destinado ao consumo em unidades termelétricas integrantes do Programa Prioritário de Termelétricas; semens e embriões; livros; determinados materiais de emprego militar; scanners e próteses; dentre muitos outros.
“O voto da ministra Regina falou no tópico da segurança jurídica, mas esse dever é não só do Judiciário, como também do Legislativo e do Executivo. Eles precisam nos dar elementos para que o Judiciário, o contribuinte e a Fazenda possam agir sem essa celeuma e dilema”, pontuou o ministro Gurgel.
“Coloca-se uma alíquota zero e depois traz uma alíquota adicional de 1%. O que fica valendo? A gente fica nessa missão de interpretar, com posições que não são fáceis de adotar”, comentou.
REsp 1.926.749
Fonte: Conjur