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16/06/2020

Economistas lançam plano de reforma tributária global

16/06/2020

A conta dos grandes gastos globais com a pandemia em saúde, empregos e renda não deveria cair desproporcionalmente sobre os países e grupos sociais mais vulneráveis. Alguns dos economistas mais famosos do mundo defendem que a perda de arrecadação dos governos seja compensada com maior tributação às corporações multinacionais e oligopólios, às gigantes digitais e aos bilionários. A retomada deveria marcar, também, o fim da era dos paraísos fiscais.

O americano Joseph Sitglitz e o francês Thomas Piketty, a indiana Jayati Ghosh e o colombiano José Antonio Ocampo lideram uma iniciativa que dá impulso à necessidade de uma reforma tributária global. Isso ocorre num momento em que os governos estão tendo de aumentar suas dívidas para fazer frente às demandas da saúde e no suporte às economias nacionais.

Essa discussão existia pré-pandemia. Há um debate sobre o tema conduzido pela OCDE com o G20, ou seja, entre os países mais ricos do mundo. Ali, por exemplo, discute-se uma forma para que empresas declarem, país a país, seus lucros. Seria uma espécie de registro internacional de ativos.

Com a pandemia, contudo, o debate por um marco tributário mundial mais inclusivo pode ser postergado. Os economistas do grupo de Stiglitz e Piketty não apoiam o adiamento. Eles também preferem que esse tema seja conduzido pelas Nações Unidas.

Tributar patrimônio é outra ideia defendida pelo grupo que, em 2015, fundou com alguns líderes de ONGs a Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation (Icrict). Lançaram ontem o relatório “A Pandemia Global, Recuperação Econômica e Sustentável e Tributação Internacional”, com apoio da Oxfam.

“Quem pode pagar mais, deveria pagar mais. A tributação não pode ser distorcida. Queremos um sistema que seja justo”, disse Stiglitz, Nobel de Economia em 2001, em coletiva virtual.

O relatório sugere cinco passos para ajudar governos a lidarem com a perda de arrecadação: taxar mais as grandes corporações e oligopólios; taxar globalmente empresas em, no mínimo, 25% para evitar que procurem países de menor tributação; dar transparência às empresas que se beneficiarem de ajuda pública com a divulgação de relatórios; publicar, também, os recursos em contas offshore; introduzir impostos progressivos às gigantes digitais.

 

“As companhias de internet são as grandes beneficiárias da pandemia”, seguiu Stiglitz, ex-economista chefe e vice-presidente do Banco Mundial e hoje professor da Universidade Columbia. Citou o caso de empresas sediadas na Irlanda, país que oferecia menos tributação do que outros da União Europeia. Quando as regras mudaram, as companhias migraram para outros paraísos fiscais. “Estas empresas têm quase um compromisso de não pagar impostos.”

“A pandemia, ironicamente, ajuda essas mesmas companhias que promoveram uma evasão de seus impostos no passado”, continuou. “Enquanto vemos empresas pequenas quebrarem, observamos que essas grandes vão muito bem. Em parte porque não pagam o que seria justo, em impostos.”

Globalmente estima-se que 40% dos lucros no exterior sejam dirigidos a paraísos fiscais, diz outro relatório da Icrict. Um estudo do FMI descreve perdas anuais superiores a US$ 500 bilhões, de empresas que buscam países que tributam menos para declararem ganhos.

“Na crise de 2008 entendemos bem os resultados das atividades de evasão de impostos das multinacionais. Estamos em situação cem vezes pior”, afirmou Stiglitz.

Com ele concorda Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desenvolvimento econômico e distribuição de riqueza e renda. “As lições da história nos mostram que temos hoje uma crise sem precedentes, com fechamento total de economias. Temos que inventar novas soluções”, seguiu o francês. “É importante pensar em um novo sistema. Com a crise, isso se torna ainda mais agudo.”

Piketty lembrou que a tributação sobre o patrimônio foi tema de destaque nas primárias da eleição presidencial dos Estados Unidos e que a ideia ganha espaço na Alemanha, Reino Unido e França. O tema, acredita, “terá que ser enfrentado no momento em que precisarmos fazer novos investimentos em hospitais e serviços públicos e tivermos que lidar com dívidas públicas muito grandes”.

Piketty, contudo, diz que não há uma solução única para a retomada global da economia no pós-pandemia e defendeu que se invistam em tecnologias verdes.

“Temos um sistema [tributário] injusto no mundo”, disse José Antonio Ocampo, presidente da Icrict e do comitê de políticas de desenvolvimento do Ecosoc, o conselho econômico e social da ONU. “Muitas corporações promovem evasão de impostos através de vários mecanismos”, seguiu.

Para Ocampo, um sistema global e transparente de ativos ajudaria as autoridades fiscais a saber “quem são os proprietários de diferentes formas de riqueza”, seguiu. “Deveria haver tributação sobre o patrimônio e, para que isso possa ser feito, temos que saber nas mãos de quem está a riqueza”, continuou o economista colombiano.

A economista indiana Jayati Ghosh lembrou que a pandemia já aumentou a desigualdade nos países. “Temos um desastre econômico e sanitário em muitos países”. Muitos trabalhadores informais não tiveram nenhuma renda nos últimos meses, disse.

“Há países em desenvolvimento que não podem gastar em saúde pública, muito menos prevenir a fome.”

Em 2019, segundo a Oxfam, os bilionários do mundo – 2.153 pessoas – registraram mais riqueza do que as 4,6 bilhões de pessoas mais pobres. Mais de um bilhão de trabalhadores estão ameaçados pelo desemprego.

O comércio global pode cair 32% este ano, no cenário pessimista da OMC e 9% segundo o FMI. Na América Latina a pandemia pode levar a uma queda de 5,3% no PIB, a maior da história da região. Mais de meio bilhão de pessoas podem ser lançadas à pobreza no mundo.

 

Fonte: Valor Econômico

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