Contribuintes que discutem dívidas de até 60 salários mínimos (R$ 62,7 mil) com a Receita Federal deverão ser impedidos, em caso de jurisprudência consolidada, de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para tentar reverter as cobranças. Em compensação, eles passariam a ter a possibilidade de negociar, nas delegacias regionais de julgamento (DRJs), descontos de até metade do valor das dívidas. As mudanças no contencioso administrativo de baixo valor foram incluídas com aval do governo na Medida Provisória nº 899 (MP do Contribuinte Legal).
O relatório do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) foi aprovado ontem, por unanimidade, em comissão do Congresso e terá que passar agora pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal até 25 de março. Depois, será encaminhado à sanção. Embora a negociação dos valores seja elogiada por advogados, a restrição do acesso ao Carf é vista com ressalvas pela falta de paridade nas delegacias da Receita, que se tornarão a última instância julgadora.
Os litígios de até 60 salários mínimos representam 60% do volume de processos no Carf e 87% do montante inscrito na dívida ativa da União. No total, são cerca de 16 milhões de procedimentos de cobrança, que somam R$ 2,4 trilhões. Desses, cerca de 13 milhões referem-se às autuações inferiores a R$ 60 mil, que alcançam R$ 169 bilhões.
A proposta poderá limpar o estoque do Carf, permitindo que o devedor negocie com a Receita a multa (que chega a 75% do valor) e até o principal. Desde 2017, esses casos são julgados em turmas extraordinárias, de forma virtual, mas hoje pode ser solicitado o destaque e julgamento presencial, com sustentação oral. A redução poderá chegar a 50% do valor total da dívida, incluídos multas e juros, e o pagamento ser parcelado em até 60 meses. Os percentuais serão definidos caso a caso.
O parecer prevê que as delegacias regionais serão a última instância de julgamento para as dívidas de pequeno valor e serão obrigadas a seguir a jurisprudência do Carf. Se a proposta for aprovada, o Ministério da Economia terá 120 dias para regulamentar o novo sistema e alterar o funcionamento das DRJs.
A mudança fará com que, para a maioria das dívidas, o contribuinte só possa recorrer da decisão da delegacia ao juizado especial federal, onde são discutidos casos de baixo valor. É preciso, porém, depositar em juízo o valor em disputa como garantia.
Ao contrário do Carf, a DRJ não tem composição paritária, sendo integrada apenas por auditores da Receita Federal. O assessor especial do Ministério da Economia, Rogério Campos, defende, porém, que o fato será compensado pela obrigatoriedade de adoção da jurisprudência do Carf, que é paritário, com metade dos conselheiros indicados pela Fazenda e metade pelos contribuintes.
A adoção de medidas alternativas de resolução de litígios é muito válida, na opinião de uma advogada. Ela critica, contudo, a restrição aos recursos administrativos. “A transação na DRJ é uma opção positiva, mas a limitação para o acesso ao Carf não parece uma boa solução por restringir a garantia que hoje o contribuinte tem do reexame de sua ação”, afirma.
Hoje, na delegacia regional de julgamento não existe sustentação oral. “Se tantos processos de pequeno valor chegam hoje ao Carf é porque o contribuinte quer a revisão da decisão da DRJ”, afirma a advogada.
Já Campos diz que não haverá prejuízo ao contribuinte e ainda existirá ganho de eficiência no Carf e no sistema. “No microssistema vai haver flexibilidade e incentivo ao acordo, inclusive com desconto no principal”, afirma. O assessor destaca que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) permite descontos quando o custo da cobrança é muito maior do que o benefício financeiro. Nos casos de pequeno valor, acrescenta, muitas vezes a multa de 75% inviabiliza o pagamento e isso poderá ser reduzido na negociação.
A nova delegacia regional de julgamento vai demandar uma reorganização na estrutura atual, para ter turmas que julguem somente os casos de pequeno valor e possibilitem a negociação com o contribuinte. “Encurtamos os caminhos, deixando para o Carf só o que é efetivamente hipótese de divergência”, afirma Campos.
Hoje o Carf tem 116,7 mil processos, que discutem R$ 629 bilhões. Mas 40% do valor total em disputa está concentrado em apenas 93 processos. O de maior valor é uma autuação do Itaú Unibanco de cerca de R$ 30 bilhões. O banco venceu em turma baixa e aguarda decisão na Câmara Superior. As grandes empresas não costumam ter autuações de valores iguais ou inferiores a R$ 60 mil, segundo Campos. Geralmente, os autos consideram o intervalo de um ano, o que torna as cobranças de grandes empresas milionárias.
Fonte: Valor Econômico