Por Gabriela Coelho
Relatórios de inteligência financeira de órgãos de controle não são meios de prova. Eles servem para subsidiar a persecução criminal na busca de elementos que indiquem eventuais ilícitos. Por isso, não há problemas no compartilhamento das informações sem autorização judicial. O entendimento foi defendido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O STF começou a discutir, nesta quarta-feira (20/11), até que ponto órgãos de controle, como o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), a Receita Federal e o Banco Central, podem compartilhar sem autorização judicial dados fiscais e bancários de cidadãos com o Ministério Público a fim de embasar investigações criminais.
O STF deve definir se relatórios como os que o antigo Coaf tem elaborado podem continuar sendo feitos sem autorização de um magistrado. Em julho, o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, suspendeu o uso de dados detalhados de informações até que o plenário julgue qual é extensão possível da troca de informações sem que um juiz autorize e sem que isso represente quebra de sigilo.
Até o momento, houve a leitura de relatório pelo relator, ministro Dias Toffoli, manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, e a sustentação do advogado Gustavo Badaró, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim).
“Credibilidade do sistema financeiro”
Em sustentação oral, o PGR defendeu o compartilhamento de dados fiscais no combate ao crime organizado e da corrupção.
“Esse sistema opera em 184 países do mundo e o Brasil necessita respeitar esse sistema, porque não é só os aspectos de combate à lavagem de capitais, não é só a lei anti-corrupção que está em causa, é também a credibilidade do sistema financeiro brasileiro, é um momento crucial para o crescimento econômico do país, que mantenhamos a estrutura da segurança jurídica também para essas relações econômicas tão relevantes”, disse.
Segundo o procurador, a Receita Federal, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) podem compartilhar informações com o Ministério Público Federal para embasar investigações criminais sobre lavagem de dinheiro e corrupção. Na opinião de Aras, o compartilhamento não compromete a privacidade e confidencialidade do sigilo dos dados.
Na manifestação, Aras também disse que eventual decisão do Supremo sobre a impossibilidade do compartilhamento poderá ter consequências contra o país no exterior.
“A quebra desse sistema internacionalmente consagrado pode trazer consequências nefastas à nação, entre elas a elevação da percepção de risco em relação ao país, a redução de investimentos estrangeiros, a maior dificuldade de nacionais terem acesso a recursos financeiros, além de obstáculos no âmbito da cooperação internacional. Corremos, ainda, o grave risco de o Brasil vir a ser considerado tecnicamente um paraíso fiscal, mácula excessivamente nociva a um país que necessita retomar o curso do crescimento econômico e estabelecer o bem-estar social”, defendeu.
Concentração favorece abuso
Segundo a sustentar, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), o advogado Gustavo Henrique Badaró. Para ele, “a concentração de poder tende a favorecer abusos”.
“Não se está a defender a obstaculizar a persecução penal. Longe disso. O que se está é apenas a exigir que, para quem tem poderes concretos de persecução, que o acesso mais detalhado, mais restrito, ou a camadas mais profundas de informações que digam respeito à privacidade passe pela devida intermediação judicial”, disse Badaró.
De acordo com ele, a decisão fixará diretrizes sobre direito à privacidade estabelecido pela Constituição e que recebeu status de proteção constitucional recepcionado pelo Supremo.
Caso
O ministro Toffoli tomou a decisão ao analisar pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), um dos cinco filhos do presidente Jair Bolsonaro. O senador argumentava que o Ministério Público do Rio de Janeiro teve acesso a informações fiscais dele sem autorização judicial.
Para Toffoli, persecuções penais com base na troca de dados bancários e fiscais dos órgãos de controle, sem o devido balizamento dos limites de informações transferidas, podem gerar julgamentos “inquinados de nulidade por ofensa a intimidade e sigilo de dados”.
Fonte: Conjur