A 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve uma autuação fiscal aplicada à Tinto Holding, controladora do grupo Bertin, de cerca de R$ 4 bilhões. A cobrança é decorrente da união com a JBS, em 2009, realizada por meio de um Fundo de Investimentos em Participações (FIP). A operação, segundo a Receita Federal, teria provocado uma redução de carga tributária.
Foi a primeira vez que a Câmara Superior julgou um caso envolvendo FIP em fusões e aquisições. A Receita Federal costuma autuar as empresas quando entende que não houve um “propósito negocial” para a operação e que o único objetivo foi reduzir a tributação.
A diferença é grande. Quando o negócio é fechado diretamente pela empresa tem de ser recolhidos 34% de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho de capital. Já por meio do FIP, aplica-se alíquota entre 15% e 22,5%, a mesma estabelecida para pessoas físicas, e o imposto é pago pelo acionista somente no momento em que resgata o dinheiro do fundo.
No caso da Tinto Holding (processo nº 16561.720170/2014-01), a Receita afirma ter constatado que as operações que levaram à unificação do grupo Bertin e da JBS, em 2009, foram realizadas de forma a afastar, artificialmente, a incidência de tributos sobre o ganho de capital.
Segundo o Fisco, as duas empresas, por meio do Bertin FIP, trocaram ações e registraram um ganho de capital que, por ter sido registrado no fundo, não foi oferecido à tributação. A Receita cobra R$ 793 milhões de IRPJ e R$ 285 milhões de CSLL, mais multa de 150% – valores que, atualizados, somariam R$ 4 bilhões.
O advogado da Tinto Holding defendeu, no Carf, o propósito negocial do uso do FIP. Em crise, segundo ele, o Bertin precisava de um instrumento que permitisse a proteção de seus ativos, que estavam em risco. Além disso, era uma empresa familiar, que teria dificuldade em captar recursos no mercado. Por isso, acrescentou, o BNDES sugeriu o uso de FIP para dar transparência.
Para o procurador Rodrigo Moreira, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, o Bertin FIP não se encaixaria no conceito de FIP. “Não há um condomínio fechado de investidores”, afirmou no julgamento. Ele alegou ainda que o fundo não atraiu novos recursos, não gerenciou reestruturação negocial na Bertin nem participou das negociações. “Isso indica a interposição fraudulenta de FIP para escapar da tributação.”
Representante dos contribuintes, o relator, conselheiro Demetrius Nichele Macei, votou a favor da empresa. Ele considerou que o uso do Bertin FIP na operação decorreu da estrutura implementada pelo BNDESPar como agente financeiro do projeto. Foi acompanhado pelos conselheiros representantes dos contribuintes, mas ficou vencido.
Pelo voto de qualidade, o desempate da presidente, prevaleceu o voto do conselheiro André Mendes de Moura. De acordo com o representante da Fazenda, no caso há um alienante, um adquirente e, ao invés de a operação ser feita entre eles, foi utilizado um FIP. “Os fatos dizem tudo sobre a artificialidade no uso do fundo”, disse.
O voto de qualidade também manteve a multa qualificada, de 150%. Por um voto, porém, foi afastada a solidariedade dos diretores do Bertin e a Heber Participações (que é constituída pelos sócios da Bertin).
A Tinto Holding pretende analisar a decisão para definir a estratégia de recurso, segundo o seu advogado. Cabem embargos de declaração no Carf. A companhia ainda poderá levar a questão ao Judiciário.
Especialista em direito tributário, diz que há receio do mercado de que as discussões envolvendo o FIP virem “vala comum, como aconteceu com o ágio”, e que “fique difícil distinguir as características do caso concreto”. Ela entende, no entanto, que cada caso tem a sua peculiaridade e deve ser analisado pelo conselheiros de forma individual.
Ela chama a atenção, no entanto, que os conselheiros “fizeram uma análise bastante técnica” sobre a responsabilidade solidária. “Essa autuação havia assustado os gestores e administradores de FIPs. Demonstrava uma ampliação da aplicação do artigo 124 do Código Tributário Nacional. Foi muito importante, então, ter um posicionamento contrário tanto da turma ordinária como da Câmara Superior.”
Fonte: Valor Econômico.