Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou, em abril, o direito dos contribuintes a apurar créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de insumos isentos vindos da Zona Franca de Manaus, o sentimento de muitas empresas foi de que a medida, além de benéfica, traria resultados tributários imediatos.
A vitória, porém, não chegou ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf): segundo levantamento do JOTA, desde abril, quando o Supremo decidiu de forma favorável aos contribuintes, ao menos três cobranças tributárias sobre o tema foram mantidas pelo tribunal administrativo.
O motivo pelo qual as decisões se deram demonstra que a vitória dos contribuintes no Carf pode demorar: regimentalmente os conselheiros são obrigados a seguir apenas “decisões definitivas” da corte. Como não há acórdão ou trânsito em julgado da decisão sobre a Zona Franca de Manaus, parte dos julgadores entende que o precedente, por enquanto, não precisa ser adotado.
A situação não é inédita no Carf. O tribunal passou a permitir a tomada de créditos por insumos de PIS e Cofins quase oito meses após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definir o assunto de forma favorável às empresas.
Tributaristas apontam que a postura formalista pode prejudicar, além de contribuintes, o próprio poder público. “A Câmara Superior de Recursos Fiscais entendeu, para nossa surpresa, que se pode julgar os casos sem a decisão do Supremo”, pontuou advogada em São Paulo, que completou: “esta interpretação formal e estreita, a meu ver, é errada e prejudicial tanto para Fisco quanto para contribuintes”.
Histórico pró-Fazenda
O tema da utilização de créditos relacionados a insumos vindos da zona franca é recorrente no Carf, que vinha se posicionando de forma contrária aos contribuintes. Apesar de ao menos uma turma ordinária já ter considerado por aplicar a tese do STF sobre a Zona Franca, a posição da Câmara Superior, última instância do conselho, não se alterou após a decisão do Supremo.
Exemplo disso ocorreu na última quinta-feira (15/8): ao julgar recursos da Ambev e da Spal, uma fabricante da Coca-Cola, a Câmara Superior impediu a tomada de créditos. A decisão foi dada por voto de qualidade, que ocorre quando há empate, e o voto do presidente da turma, que representa a Receita, é utilizado para resolver a questão. Na mesma sessão a turma começou a analisar um caso semelhante envolvendo a Schincariol, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista.
Nos casos da Ambev e da Spal, o Carf resolveu não aguardar a decisão oficial das cortes sobre a Zona Franca. Outra empresa fabricante de Coca-Cola, a Rio de Janeiro Refrescos, já havia perdido o caso sobre o tema em julho, e um recurso da LG só não foi julgado porque a empresa conseguiu, no Judiciário, impedir a análise do recurso na Câmara Superior.
Outra via possível
O Carf é vinculado às decisões dos tribunais superiores, e a conclusão do STF deverá ser aplicada aos seus casos. O regimento, entretanto, apenas obriga os conselheiros a seguir “as decisões definitivas de mérito” proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em repercussões gerais e pelo Superior Tribunal de Justiça em recursos repetitivos.
Enquanto parte dos julgadores do Carf considera uma publicação de acórdão como válida para a aplicação de precedentes, outros defendem o trânsito em julgado da questão. Em redações anteriores do regimento havia a previsão de sobrestamento de casos com a mesma tese de recursos em análise nas cortes superiores, porém a possibilidade não existe mais.
Não é a primeira vez que o Carf passa por esta situação: entre a decisão do STJ que definiu o conceito de essencialidade para insumos e a aplicação pelo tribunal administrativo passaram-se quase oito meses. O mesmo descompasso é visto desde que o STF começou a julgar a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
Isto preocupa empresas, segundo advogados. “Esta decisão [do Carf] pode gerar uma massa de contencioso judicial”, afirmou a tributarista. A advogada defende que a prorrogação de uma questão que poderia ser definida nas vias administrativas é uma maneira de mobilizar, de maneira inútil, o Judiciário. “O prejuízo ao contribuinte é de custo, tempo e economia processual. Não faz sentido ficar brigando por algo que está decidido, por uma questão de lapso temporal.”
A advogada enxerga outra via como possível para o tribunal. “Em uma demanda assim, creio que o Carf teria obrigação de suspender os processos com esta matéria na pauta, em vez de agir por conta própria porque está acobertado pelo regimento interno”.
Perdas aos dois lados
Quando um contribuinte perde um processo deste tipo no Carf, não apenas a empresa passa a ter um problema. Tributaristas apontam que até quem ganha acaba sofrendo perdas.
Nos corredores do Carf, um advogado exemplificou o cenário. “Quando eu perco aqui [na Câmara Superior], eu recorro ao Judiciário e, lá, e eu vencerei a causa na primeira tacada”, explicou. Como já há o conhecimento sobre a tese do STF, o juiz de primeira instância pode aplicar a tese em prol do contribuinte, revertendo a decisão do Carf.
A Fazenda Nacional, que se sagra vencedora dos processos no Carf, acabará, assim, por perder no final: com a reversão do entendimento no Judiciário, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que representa a União em casos desta natureza, é obrigada a arcar com os honorários de sucumbência, conforme determinação do Código de Processo Civil (CPC).
Esta incerteza, concluem advogados, é prejudicial aos dois lados, cada um a seu tempo. “A curto prazo, há maiores prejuízos ao contribuinte – que terá toda a dor de cabeça de litigar, de pedir uma tutela antecipada, ficando com o ônus do litígio”, avalia uma advogada. “A médio e longo prazo, o prejuízo é da Fazenda, porque estas causas serão julgadas a favor do contribuinte”.
Procurada pelo JOTA, a PGFN afirmou que “ainda aguarda a publicação do acórdão do STF, que julgou o recurso extraordinário, para concluir a definição de sua estratégia em relação ao tema”.
Fonte: JOTA