Por Joice Bacelo
BRASÍLIA – O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) autorizou, pela primeira vez, que provisões feitas por instituições financeiras sejam deduzidas da base de cálculo do PIS e da Cofins. Proferida recentemente pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, a decisão trata especificamente da Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa (PCLD) — casos em que se o cliente não pagar o devido por mais de 180 dias, o banco terá de registrar todo o débito e não somente as parcelas inadimplidas.
Até agora, só foram julgados cinco casos sobre o tema no Carf. Em três deles os contribuintes perderam na 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção. Os outros dois, em que agora as empresas tiveram êxito, na 1ª Turma, foram julgados em conjunto: um tratou das deduções do PIS e o outro da Cofins. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que apresentará os recursos cabíveis.
As regras contábeis obrigam as empresas a provisionar perdas. Elas reservam uma parte do capital para não correr o risco de quebra. A PCLD, no entanto, é imposta pelo Banco Central e, por esse motivo, impacta exclusivamente instituições financeiras e empresas de arrendamento mercantil.
A discussão no Carf gira em torno da Lei nº 9.718, de 1998. Consta no artigo 3º que poderão ser excluídas ou deduzidas da base de cálculo somente despesas decorrentes de operações financeiras. Os bancos entendem que a PCLD integra esse conceito e fazem as deduções.
Já a Receita Federal costuma autuar os contribuintes com o argumento de que a PCLD não é uma despesa que decorre de intermediação financeira. Para o Fisco, as provisões são “salvaguardas contábeis de perdas futuras” e, para essas hipóteses, entende não haver previsão em lei para a dedução. A 2ª Turma do Carf tem mantido o entendimento.
O julgamento conjunto na 1ª Turma teve dois votos contra a empresa, ambos de conselheiros fazendários, e seis a favor — quatro deles de conselheiros representantes dos contribuintes e dois de auditores fiscais (processos nº 16327.720113/2016- 58 e nº 16327.720009/2017-44).
A maioria dos conselheiros, que deu a vitória ao contribuinte, levou em conta a Resolução nº 2.682, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que tornou a PCLD obrigatória às instituições financeiras. A norma considerou ainda o Plano Contábil das Instituições Financeiras (Cosif), que classifica a PCLD como despesa de intermediação financeira (subitem 820 do item 15).
“Verifica-se que a PCLD não constitui uma mera expectativa de despesa, mas uma despesa efetivamente incorrida na intermediação financeira”, diz no acórdão redigido pelo conselheiro Leonardo Vinícius Toledo de Andrade.
Advogado especialista na área que atuou nos casos julgados pela 1ª Turma, procurado pela reportagem, apenas afirmou que a decisão é importante por reconhecer a legalidade da prática adotada pelas instituições financeiras. E por abrir caminho para o tema ser analisado pela Câmara Superior. “Aqueles que estão perdendo na 2ª Turma, por exemplo, poderão recorrer”, diz.
Outro especialista em tributação acredita que a decisão favorável da 1ª Turma do Carf incentivará as instituições que, de forma conservadora, não estavam deduzindo a PCLD do pagamento do PIS e da Cofins, a mudarem as suas práticas. “Elas poderão, inclusive, refazer as declarações do passado. Podem retransmitir, pedir o crédito do que pagaram a mais [sem as deduções] e já usar esse crédito no mês seguinte”, afirma. “Nos últimos anos, com a crise, houve muita inadimplência e a PCLD dos bancos está altíssima”, acrescenta.
O advogado afirma ainda entender que a decisão do Carf está alinhada com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2018, a 1ª Seção julgou um recurso repetitivo (Resp 1.221.170) sobre o que pode ser considerado insumo para a obtenção de créditos de PIS e Cofins.
Os ministros, na ocasião, decidiram que deve-se analisar a importância, a essencialidade e a relevância. “Quando falamos em relevância, estamos falando de tudo aquilo que se tem uma exigência legal e é o que ocorre com os bancos no caso da PCLD. Trata-se de uma despesa decorrente de exigência legal”, diz Polizelli.
Procurada pelo Valor, a PGFN informou, por meio de nota, que “as decisões criaram uma nova hipótese de exclusão da base de cálculo de PIS/Cofins, sem previsão na Lei nº 9.718/98”.
Fonte: Valor Econômico