Jamile Racanicci
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (31/10), um projeto de lei que proíbe a Receita Federal de excluir do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) de 2000 pessoas físicas e jurídicas que pagam parcelas consideradas insuficientes para amortizar a dívida. O texto final aprovado na comissão determina que empresas que pagam as mensalidades de boa-fé permanecerão no programa na condição de devedoras até quitarem totalmente a dívida, independentemente do número de parcelas.
O projeto de lei nº 2.281/2015, de autoria do deputado Jutahy Junior (PSDB-BA), segue para apreciação no Senado. A proposta pretende alterar a lei nº 9.964/2000, que criou o primeiro programa de parcelamento com condições mais benéficas, no formato replicado periodicamente pelo governo federal, com descontos em multas e juros.
De acordo com o diretor de Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), o PL diz respeito apenas ao primeiro Refis, instituído em 2000. “Não é possível estender a todo e qualquer Refis. Cada Refis tem uma lei, e para eu tratar de outra lei, [o projeto] teria que indicar o número”, esclareceu.
O projeto de lei se alinha com o entendimento defendido pelos contribuintes e contraria a interpretação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Vemos o projeto com alguma apreensão”, disse o procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa, Cristiano Neuenschwander.
A lei que instituiu o Refis de 2000 vinculou o cálculo da mensalidade devida pelo contribuinte à receita bruta registrada pela empresa no mês anterior ao pagamento da parcela. Assim, o parcelamento tinha duração variável, sem estipular um valor mínimo a ser pago mensalmente.
Mensalidade do Refis era calculada com base na receita bruta
Entretanto, em alguns casos o cálculo da parcela resultava em valores avaliados como irrisórios pela Receita. Isso podia ocorrer quando a pessoa jurídica deixava de operar, tornando-se inativa economicamente. Com base nisso, a Receita começou a retirar contribuintes do Refis por entender que o valor pago não atenderia aos objetivos do parcelamento.
O valor pago não era suficiente nem para quitar os juros que existiam na parcela. O parcelamento se tornaria sem fim e o saldo devedor só aumentaria
Procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa, Cristiano Neuenschwander
Por outro lado, os contribuintes defendem que não cabe à Receita criar uma hipótese de exclusão do Refis que não existia na lei. Um advogado tributarista avaliou que o projeto de lei aprovado na Câmara traz segurança jurídica para quem aderiu ao parcelamento.
O contribuinte confia que a legislação é absolutamente legal, de boa-fé paga as parcelas regularmente e depois a Fazenda decide excluir porque a parcela não paga a dívida? Quem tem que verificar isso é o Legislativo, segundo advogado tributarista.
Ainda, o mesmo advogado ressaltou que a Fazenda participou da elaboração da lei que estabeleceu a metodologia para calcular a mensalidade. Nesse sentido, a fiscalização não poderia criar novas regras que extrapolam os limites legais.
A Fazenda e os contribuintes levaram ao Judiciário a controvérsia relativa à exclusão das empresas que pagavam parcelas do Refis consideradas irrisórias pela Receita. Ao analisar a matéria, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou posicionamento mais favorável à PGFN, em recursos especiais como o de nº 1.187.845/ES, julgado em 2010.
Na ocasião, a 2ª Turma do STJ entendeu que os contribuintes podem ser excluídos do programa se a Receita constatar que a mensalidade é incapaz de amortizar a dívida. Isso porque, na visão dos ministros, o pagamento irrisório equivale à inadimplência.
Decisão semelhante foi proferida pela 1ª Turma no AREsp nº 277.519/DF, em 2013. O colegiado permitiu a exclusão do parcelamento se a Receita verificar que o valor pago mensalmente é ineficaz para abater a dívida.
O STJ também proferiu decisões nesse sentido em outros recursos especiais como os de nº 1.447.131/RS, da 2ª Turma, e REsp nº 1.530.486/RS, da 1ª Turma. Segundo interlocutores ouvidos pelo JOTA, a jurisprudência se consolidou na Corte de forma favorável à Fazenda entre 2010 e 2012.
Fonte: JOTA