Por Adriana Aguiar
Os contribuintes conseguiram na Justiça um importante precedente contra a aplicação da chamada “trava dos 30%”, que limita a compensação de prejuízo fiscal. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, decidiu que empresas incorporadas por outras podem abater, de uma vez só, todo o prejuízo do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Os desembargadores levaram em consideração o fato de que, após a incorporação, elas são extintas.
A Receita Federal defende que a legislação não abre exceção para casos de incorporação. A trava limita a compensação, no primeiro ano, a 30% do prejuízo fiscal. O restante poderia ser abatido em anos subsequentes. Para os contribuintes, porém, com a extinção de uma empresa, não haveria outra oportunidade para continuar a compensação.
A limitação está prevista nos artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981, de 1995, e artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 1995. As normas já foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Há precedentes reconhecendo a constitucionalidade e legalidade das leis (RE 344994 e RE 244293 e REsp 201200494 221). A questão, porém, ainda será analisada em repercussão geral pelo STF. O relator é o ministro Marco Aurélio (RE 591340).
Apesar dos precedentes, que tratam da questão de forma geral, os desembargadores da 4ª Turma do TRF da 3ª Região foram unânimes ao aceitar o recurso do contribuinte (apelação cível nº 0002725- 21.2016.4.03.6130).
Segundo a decisão, “a aplicação da trava geraria a impossibilidade de compensação das sobras, uma vez que há expressa vedação para que a sucessora utilize os prejuízos da sucedida para a realização das compensações. Nesse sentido a redação do artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/1987”.
No entendimento da relatora do caso, desembargadora Mônica Nobre, “o objetivo das normas que criaram ‘a trava dos 30’ não foi em nenhum momento impedir a compensação dos prejuízos apurados pelos contribuintes, mas sim diferir os momentos de compensação, atenuando assim, os efeitos desses encontros de contas para os cofres públicos”. E acrescenta: “Uma vez interrompida a continuidade da empresa por incorporação, fusão ou cisão, a regra não mais se justifica pela total impossibilidade de compensação em momentos posteriores.”
Em seu voto, ainda destaca que a jurisprudência administrativa “admitiu por muito tempo que nos casos de extinção por incorporação, a compensação ocorresse além do limite estabelecido pelo artigo 15 da Lei n º 9.065/95”.
O caso representa um importante precedente aos contribuintes, segundo advogados especializados na área. Na segunda instância, só havia até então um caso favorável antigo, julgado pelo TRF da 2ª Região por volta dos anos 2000, acrescenta um dos advogados.
Ao contrário da 4ª Turma, que autorizou o abatimento integral, a 3ª Turma do TRF da 3ª Região tem entendimento a favor do Fisco. “Os desembargadores [da 4ª Turma] entenderam que, quando se trata de incorporação seguida de extinção, não haveria como fazer essa compensação em outro momento”, diz advogada tributária.
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), após a reabertura, a jurisprudência passou a ser desfavorável ao contribuinte. A 1ª Turma da Câmara Superior e a maioria das turmas ordinárias têm aplicado a trava, pelo voto de qualidade (desempate), segundo advogado especializado na área. A composição atual entende que extinção de empresa não está nas exceções das leis que estabeleceram o limite de 30%.
Com a mudança, os advogados passaram a pedir nos casos de clientes a aplicação da jurisprudência antiga do Carf, com base no artigo 24 da Lei nº 13.655, de 2018 – que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. De acordo com o dispositivo, as esferas administrativas deverão levar em conta as orientações gerais da época em que o caso ocorreu. Não há ainda decisão nesses casos, segundo os advogados.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “oportunamente avaliará a conveniência recursal, mas antecipa que pretende recorrer da decisão em questão”. Isso porque, segundo o órgão, “o Supremo Tribunal Federal, quando do RE 344.994/PR, entendeu que compensação de prejuízos fiscais acumulados constitui benefício fiscal”. Por esse motivo, segundo a nota, “deve respeitar o princípio da legalidade estrita, não comportando interpretação extensiva, a teor do disposto no artigo 111 do CTN”.
A PGFN ainda ressalta que “as Leis nº 8.981/95 e 9.065/95 não estabelecem qualquer exceção quanto ao limite de 30% para a compensação dos prejuízos fiscais relativamente à hipótese de extinção da empresa”. Por fim, destaca que “entendimento em sentido contrário não somente viola a legislação ordinária e o CTN, como também configura incentivo para reorganizações societárias desnecessárias com o objetivo único de burlar a trava de 30%”.
Fonte: Valor Econômico