Por Edna Simão
A Receita Federal trabalha para diminuir ainda mais as brechas para o chamado planejamento tributário abusivo, ou como dizem os técnicos do fisco, inibir os “milagres tributários” prometidos por consultores às empresas com o objetivo de pagar menos imposto. Somente neste ano, a fiscalização pretende realizar 532 novas ações fiscais com potencial de R$ 100 bilhões em autuações de cobrança tributária por indícios de sonegação por pessoas físicas e jurídicas.
Em entrevista ao Valor, o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, explicou que o planejamento tributário abusivo é uma operação estruturada sem propósito negocial, na qual os fatos não correspondem à realidade da negociação, com o objetivo de reduzir tributo.
“Normalmente, a sua arquitetura [do planejamento tributário abusivo] envolve operações encadeadas que, se analisadas isoladamente, podem apresentar aparente licitude, porém, na análise em conjunto, não é raro que transpareçam outra realidade, muitas vezes totalmente desprovida de causas negociais”, contou.
No período de 2012 a 2017, a equipe e as delegacias de fiscalização de maiores contribuintes da Receita identificaram R$ 420 bilhões em tributos que não foram pagos por empresas e pessoas jurídicas devido à utilização do planejamento tributário abusivo. Esses valores podem ser questionados pelos contribuintes administrativamente e judicialmente.
Martins destacou a dificuldade para identificar e comprovar uma operação de planejamento tributário abusivo. Porém, afirmou que as “artificialidades” utilizadas pelas empresas visando a redução – e até mesmo o não pagamento – de tributos têm sido detectadas de forma mais fácil pela fiscalização.
Para avaliação de uma operação de planejamento tributário, onde há suspeita de abuso, os técnicos da Receita, conforme Martins, deixaram de olhar apenas a “foto” ou seja uma transação de forma isolada. “Olhamos o filme. A situação anterior e a atual. Durante muitos anos, até a primeira metade dos anos 2000, a Receita ‘olhava’ dessa forma, por foto”, contou o subsecretário. “A grande evolução na fiscalização foi justamente concentrar esforços da auditoria, investigar e demonstrar o artificialismo desse encadeamento de operações.” A utilização de fundos de investimentos unipessoais ou com pequeno número de investidores é um dos planejamentos tributários abusivos identificados pela Receita. Também há situações, conforme Martins, em que os investidores são brasileiros travestidos de não residentes “situados” em países onde essas companhias investidoras não têm consistência fiscal (sem renda ativa, nem sócios), o que resulta na não tributação em nenhuma das jurisdições.
“Os não residentes são utilizados não apenas para planejamento tributário, mas também para blindagem patrimonial”, explica.
No ano passado, conforme noticiado pelo Valor, a Receita realizou uma reunião com as maiores instituições financeiras do país para comunicar que identificou “fortes indícios” de fraude tributária envolvendo alguns investimentos de não residentes no Brasil. As investigações indicavam que vários investidores poderiam ser, na verdade, brasileiros em busca dos benefícios fiscais concedidos a estrangeiros que aplicam no país. Após o encontro, houve uma mudança no comportamento das instituições financeiras que administram estes fundos. Em 2014, por exemplo, a retenção de IRPF nessas operações somou R$ 312 milhões e, em 2017, superou R$ 1,5 bilhão.
Também estão entre as operações relacionadas a planejamento abusivo os casos de ágio com utilização de “empresa veículo”; tributação de bases universais (TBU) em incorporações; e triangulação nas exportações. No primeiro caso, Martins explicou que muitas companhias estão sofisticando o modelo para evitar a caracterização de empresa de passagem. Para isso estão usando empresas verdadeiras como veículo de investimento, com receitas, despesas, exercendo atividade há vários anos, mas que não são os verdadeiros investidores operacionais. Só nessa fiscalização, a Receita constituiu mais de R$ 10,7 bilhões em 69 autuações entre 2012 e 2017.
Fonte: Valor Econômico