A Receita Federal está intrigada com um novo fenômeno entre os contribuintes do país: a “síndrome de Tio Patinhas”. Assim foi informalmente batizado o hábito de alguns brasileiros de guardar verdadeiras fortunas – dignas de ornar o cofre do mais rico pato dos quadrinhos – em casa. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO sob a condição de anonimato, cerca de 140 pessoas declararam ao Fisco que mantém pelo menos R$ 10 milhões em espécie debaixo do colchão. A cifra chamou a atenção dos auditores, que suspeitam de transações ilegais, corrupção, propina e sonegação. Em busca de identificar os detentores de malas recheadas de dinheiro, uma nova norma será baixada. A expectativa é coibir a lavagem de recursos no Brasil.
Com o aumento da divulgação dos casos de corrupção, principalmente por causa da Operação Lava-Jato, a Receita Federal criará uma regra para dificultar essa circulação indiscriminada de malas de dinheiro de propina. Uma instrução normativa foi editada e publicada no Diário Oficial com uma nova obrigação fiscal para todos brasileiros: a partir do início do ano que vem, pessoas físicas ou empresas que receberem acima de R$ 30 mil em espécie – em uma ou em várias operações – deverão fazer uma declaração mensal ao Fisco.
De acordo com técnicos ouvidos pelo GLOBO, o governo pretende identificar quem compra carros, imóveis, joias e outros bens caros em dinheiro vivo. A ideia é que mapear a circulação de moeda em espécie facilitará a identificação do crime da lavagem. Num segundo momento, a intenção é arrecadar tributos sobre esse capital e, consequentemente, melhorar o resultado das contas públicas.
A instrução normativa, publicada no Diário Oficial desta terça-feira, determina que todo o recebedor dessa quantia preencha a “Declaração de Operações Líquidas com Moeda em Espécie”. A pessoa física e a empresa que não declarar que recebeu mais que R$ 30 mil de uma pessoa e for descoberta pela autoridade tributária será multada. O valor varia entre 1,5% a 3% do total da operação. A punição também valerá para quem prestar informações incompletas.
Estabelecimentos – como joalherias e galerias de arte – que fazem transações acima de R$ 30 mil já são obrigados a enviar um comunicado para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Num segundo momento, a ideia é fechar um acordo para determinar que a notificação seja feita apenas para a Receita Federal, que compartilhará a informação.
Formalmente, a Receita Federal anunciará que não quer identificar os estoques de dinheiro vivo que cada contribuinte tem. No entanto, os técnicos já apuraram que vários brasileiros foram alertados por advogados a declarem um alto valor de papel moeda em casa. O antigo hábito de guardar dinheiro embaixo do colchão seria apenas uma estratégia. Justificaria, por exemplo, a descoberta de um bem valioso por algum auditor da Receita Federal ou pela Polícia Federal.
— Se a gente chegar e descobrir um iate, uma Ferrari ou até um novo apartamento no nome da pessoa, ela vai ter como justificar que tinha a quantia em dinheiro em casa para adquirir esse bem e que não fez nada de errado — frisou um técnico. — Ou seja, declarar dinheiro em casa funciona como uma espécie de “seguro” para uma possível lavagem de dinheiro no futuro.
Após identificar essa manobra, a ideia da autoridade tributária é investigar a fundo os maiores detentores de fortunas em dinheiro vivo declaradas. Por isso, os que declaram as maiores quantias devem receber em breve a visita de auditores. Eles querem verificar se a quantia existe ou foi apenas inventada na declaração de Imposto de Renda.
Fonte: Agência O Globo