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21/06/2017

Advogado da Pimentel & Rohenkohl tem artigo publicado em Revista Especializada – Revista Jurídica Luso Brasileira (RJLB)

A TRIBUTAÇÃO DAS STOCK OPTIONS SOB O PRISMA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Rômulo Targa Pinto 1

Giovani Ribeiro Rodrigues Alves 2

INTRODUÇÃO

Diante do desenvolvimento das atividades empresariais e da escassez de profissionais qualificados, empresas brasileiras têm utilizado diferentes práticas para tornar as organizações mais atrativas e, por conseguinte, captar e fidelizar os talentos encontrados no mercado.

Sumário: Introdução; 1 Considerações Gerais sobre as Stock Options: conceito, legislação e requisitos; 2 Natureza Jurídica das Stock Options; 3 Ausência de subsunção das Stock Options aos requisitos para incidência de contribuição previdenciária; 4 Jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); 5 Conclusão.

Dentre as iniciativas que buscam trazer incentivos de ordem econômica e emocional, verifica-se o crescimento da oferta de planos de opção de compra de ações (stock options), como

1 Advogado. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-Graduado pelo LLM em Direito Empresarial Aplicado das Faculdades da Indústria. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).

2 Advogado. Professor de Direito Comercial do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL) e Coordenador do LLM em Direito Empresarial Aplicado das Faculdades da Indústria. Mestre e Doutorando em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). forma de estimular o desempenho e a fidelização de profissionais qualificados, sejam eles gestores, empregados ou mesmo fornecedores de sociedades empresárias. A ideia é de formar um ambiente cooperativo que conduza à eficiência na atividade empresária.

No Brasil, esta forma de incentivo teve início a partir da década de 1990 e carece de legislação específica sobre o tema até o presente momento, possuindo pequena menção na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), a qual apenas prevê a existência da possibilidade de instituição das opções de compra de ações.

Atualmente, a Receita Federal do Brasil (RFB) vem promovendo autuações fiscais no sentido de atribuir às stock options índole salarial, havendo julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) mantendo as autuações lavradas. Tal entendimento contrasta com o entendimento doutrinário, com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e com outros julgados do próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o que gera insegurança na aplicação das opções de compra de ações.

A relevância econômica do instituto das stock options ganha distinção ímpar e o seu estudo se torna imprescindível, ante a complexidade e a dinâmica das situações fáticas que envolvem a atividade empresarial, bem como diante das lacunas legais no ordenamento jurídico brasileiro e as divergências nas decisões.

É prosaico asseverar que a atividade empresarial traz consigo, de maneira indissociável, o risco. Desta forma, ao refletir racionalmente pela adoção ou não de determinada política na empresa, cabe aos sócios ter a exata dimensão dos riscos que correm. A instabilidade jurisprudencial a respeito das stock options provoca insegurança adicional, o que tem o potencial de minimizar ou até mesmo erradicar sua utilização, o que já aconteceu com outros institutos no Brasil, como as Cédulas de Produto Rural (CPR).

Nesse contexto, impõe-se compreender o conceito de stock options, definir a sua natureza jurídica e examinar sua tributação sob o prisma da contribuição previdenciária, bem como a adequação do entendimento da Receita Federal e da jurisprudência.

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS STOCK OPTIONS: CONCEITO, LEGISLAÇÃO E REQUISITOS

As stock options designam a opção de compra de ações concedida pelas empresas a seus empregados, administradores ou fornecedores, por valores previamente acordados, ou com critérios antecipados de fixação de preços, e durante um período de tempo predeterminado.

Nas palavras de Moreira, Quintela e Savassi (2013, p. 33), “é oferecida a possibilidade desses indivíduos adquirirem ações da companhia no futuro a um preço prefixado no passado, observando obviamente um termo final, a partir do qual não mais poderá ser exercida a opção de compra.”

Marcos André Vinhas Catão (2006, p. 57) explica sobre os incentivos decorrentes da implantação de stock options:

Os planos de stock options são, via de regra, um estímulo ao empregado, administrador ou até a fornecedores, adjeto a uma relação contratual preexistente. Sua finalidade é recompensar financeiramente o beneficiário mediante a atribuição de participação no capital da empresa, sempre que o desempenho de sua função, serviço ou labor venha acompanhado do atingimento de metas desde uma ótica empresarial.

O objetivo das stock options é assemelhar os empregados, administradores e fornecedores aos sócios da empresa, de forma a estimulá-los a se comprometer cada vez mais com o negócio em que estão inseridos.

Consoante explica Alan Greenspan (2011, p. 279), as stock options podem ser altamente eficientes para maximizar o valor de mercado das firmas a longo prazo, vez que geram um ambiente que propicia a cooperação e a produtividade na empresa, vez que funcionam como incentivos a trazer bons resultados para a companhia.

O contorno legal atribuído ao instituto das stock options no ordenamento jurídico brasileiro está prescrito no § 3º do artigo 168 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), in verbis:

Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária.

[…]
3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.

 

Da leitura do referido dispositivo é possível identificar os requisitos a serem observados no que tange à implementação dos planos de opção de compra de ações:

(a) emissão por sociedades por ações, abertas ou fechadas;

(b) previsão expressa no estatuto social;

(c) observância do montante do capital autorizado;

(d) plano de opções aprovado pela assembleia geral e;

(e) ter como beneficiário pessoas naturais que sejam empregados, administradores ou prestadores de serviços.

Há outro requisito, não previsto expressamente em lei, mas exigido pela Deliberação CVM nº 371/2000, que trata da política de benefícios a empregados:

(f) para a emissão das stock options, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) impõe a divulgação da natureza e das condições dos planos de remuneração em ações; da política contábil adotada e; da quantidade e do valor pelos quais as ações foram emitidas.

Traçadas as linhas gerais sobre as stock options, passaremos a verificar a natureza jurídica que se atribuirá ao eventual ganho auferido em decorrência desse instituto.

2 NATUREZA JURÍDICA DAS STOCK OPTIONS

As stock options devem ser compreendidas como totalmente desvinculadas ao contrato de trabalho, em razão das características elencadas no tópico acima.

Veja-se que ser empregado sequer é um requisito para que possa haver negócio envolvendo as stock options. Nesta esteira, eventuais ganhos auferidos quando da venda de ações, não deve ensejar na aplicação de encargos trabalhistas e previdenciários, seja o sujeito empregado ou não.

De acordo com Thiago Barbosa Wanderley (2015, p. 129), “exsurge das características desta contratação que o mesmo possui natureza mercantil, marcando uma avença entre dois sujeitos acerca da aquisição futura de um objeto.”

Trata-se, pois, de uma relação eminentemente empresarial, devendo ser interpretada não somente no que diz respeito aos encargos incidentes, mas também na própria relação contratual, como de natureza mercantil, o que traz a necessidade de compreensão à luz das características próprias desta modalidade (GALESKI JUNIOR; RIBEIRO, 2009, 18).

Com efeito, a legislação trabalhista entende por salário toda a prestação fornecida diretamente ao empregado pelo empregador em decorrência de contrato de trabalho, compreendendo ainda as comissões, percentagens e outras forma de retribuição, conforme determina o § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.

À vista disso, percebe-se que o instituto das stock options não é firmado em decorrência do contrato de trabalho, uma vez que (CUNHA, 2012, p. 104):

(a) não há contraprestação por parte do empregado, para exercício da opção de compra das ações; (b) não há nenhuma garantia de que o resultado da compra das ações será positivo; (c) o contrato é oneroso para o beneficiário, que despende determinada quantia para comprar ou subscrever as ações.

Assim, mesmo no caso de stock options vinculadas a empregados, as opções de ações não são contraprestações pelo trabalho, visto que não é o empregador que paga os valores aos empregados, mas, sim, o mercado de ações, de forma completamente independente, autônoma e desvinculada da relação laboral (MOREIRA; QUINTELA; SAVASSI, 2013).

Tal entendimento fica ainda mais evidente quando se constata que não há qualquer garantia de lucratividade na operação. Trata-se de negócio de risco, vez que as ações podem perder valor, o que é ínsito à própria existência do mercado. Nesta esteira, veja-se que diferentemente da verba salarial, as stock options trazem de maneira inerente a noção de risco na remuneração.

Com raciocínio semelhante, explica Sergio Pinto Martins (2009, p. 233):

A natureza jurídica da opção de compra de ações é mercantil, embora feita durante o contrato de trabalho, pois representa mera compra e venda de ações. A opção envolve um ganho financeiro, sendo até um investimento feito pelo empregado nas ações da empresa. Por se tratar de risco do negócio, em que as ações ora estão valorizadas ora perdem seu valor, o empregado pode ter prejuízo com a operação. É uma situação aleatória, que nada tem a ver com o empregador em si, mas com o mercado de ações.

Atento à ausência de caráter laboral, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou o entendimento de que as stock options estão destituídas de natureza salarial, inclusive fazendo constar expressamente que são operações de risco, conforme atestam as ementas a seguir, destacadas em seus trechos essenciais:

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. […] 5. PLANO DE AÇÕES. STOCK OPTIONS. INTEGRAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. Em que pese a possibilidade da compra e venda de ações decorrer do contrato de trabalho, o trabalhador não possui garantia de obtenção de lucro, podendo este ocorrer ou não, por consequência das variações do mercado acionário, consubstanciando-se em vantagem eminentemente mercantil. Dessa forma, o referido direito não se encontra atrelado à força laboral, pois não possui natureza de contraprestação, não havendo se falar, assim, em natureza salarial. Precedente. Recurso de revista de que não se conhece. […] (RR-201000-02.2008.5.15.0140, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/2/2015)

RECURSO DE REVISTA. […] REFLEXOS DE STOCK OPTIONS NO FGTS E NA INDENIZAÇÃO RESCISÓRIA. Recurso de revista calcado em violação do art. 457, § 1º da CLT. Não há afronta à literalidade do art. 457, § 1º, da CLT a decisão regional que não reconheceu a natureza de abono ao benefício denominado stock options, uma vez que tal parcela por força tanto de cláusula do contrato de trabalho quanto de norma interna da empresa controladora do grupo econômico não tem natureza de comissão, porcentagem, gratificação ajustada, diária para viagem ou abono pago pelo empregador, mas de prêmio conferido aos empregados que se destacavam na empresa. Recurso de revista não conhecido. […] (RR-122200-69.2002.5.01.0039, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 31/1/2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. […] 4. STOCK OPTION. Ao analisar a questão, O Regional afirmou que alguns funcionários, quando da fusão do grupo CITIBANK, optaram por adquirir ações para venda futura, o que lhes propiciou lucro. Ficou registrado que o reclamante não demonstrou que todos os funcionários seriam beneficiados indistintamente pelo simples fato de terem realizado a mesma opção, uma vez que não se tratava de doação ou distribuição gratuita de bônus, havendo de ser considerados, também, os riscos do mercado. […] (AIRR-1008-14.2010.5.01.0000, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 23/09/2011)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. COMPRA DE AÇÕES VINCULADA AO CONTRATO DE TRABALHO. STOCK OPTIONS. NATUREZA NÃO SALARIAL. EXAME DE MATÉRIA FÁTICA PARA COMPREENSÃO DAS REGRAS DE AQUISIÇÃO. LIMITES DA SÚ-MULA 126/TST. As stock options, regra geral, são parcelas econômicas vinculadas ao risco empresarial e aos lucros e resultados do empreendimento. Nesta medida, melhor se enquadram na categoria não remuneratória da participação em lucros e resultados (art. 7º, XI, da CF) do que no conceito, ainda que amplo, de salário ou remuneração. De par com isso, a circunstância de serem fortemente suportadas pelo próprio empregado, ainda que com preço diferenciado fornecido pela empresa, mais ainda afasta a novel figura da natureza salarial prevista na CLT e na Constituição. De todo modo, torna-se inviável o reconhecimento de natureza salarial decorrente da possibilidade de compra de ações a preço reduzido pelos empregados para posterior revenda, ou a própria validade e extensão do direito de compra, se a admissibilidade do recurso de revista pressupõe o exame de prova documental – o que encontra óbice na Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido. (AIRR-85740-33.2009.5.03.0023, 6ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 04/02/2011)

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. […] 4. STOCK OPTIONS. O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, nº 6404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contra prestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial. Recurso de revista não conhecido. […] (RR-217800-35.2007.5.02.0033, 6ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 3/12/2010)

[…] STOCK OPTION PLANS. NATUREZA SALARIAL. Não se configura a natureza salarial da parcela quando a vantagem percebida está desvinculada da força de trabalho disponibilizada e se insere no poder deliberativo do empregado, não se visualizando as ofensas aos arts. 457 e 458 da CLT. Os arestos colacionados revelam-se inservíveis, nos termos da Súmula nº 296 do TST e do art. 896 da CLT. Recurso não conhecido. […] (ED-RR-327300-55.1998.5.02.0064, 4ª Turma, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 31/03/2006)

Portanto, o entendimento jurisprudencial, da própria Justiça do Trabalho, é no sentido de identificar que as stock options não possuem natureza salarial, especialmente em razão do risco inerente à operação.

A partir do raciocínio apresentado pela jurisprudência trabalhista e coadunado com a previsão legislativa, não há outra conclusão a chegar que não a expressa por Moreira, Quintela e Savassi (2013, p. 39), “não há outro modo de enquadrar as operações de stock options senão como ganhos eventuais e abonos expressamente desvinculados do salário, nos termos do artigo 28, § 9º, alínea ‘e’, item 7, da Lei nº 8.212/91”.

No entanto, mesmo firmada a natureza jurídica mercantil das stock options e sua completa desvinculação ao salário, a Receita Federal do Brasil (RFB) vem causando insegurança jurídica por entender que as ações adquiridas pelos beneficiários compõem sua remuneração.

A consequência de tal entendimento é de que deveria integrar o salário de contribuição sobre o qual incide a contribuição previdenciária prevista no artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91, causando grande impacto econômico.

Como resultado desta interpretação disforme à doutrina e à jurisprudência, as empresas, não raramente, são surpreendidas com o recebimento de diversos autos de infração que lhes cobram a suposta contribuição previdenciária devida, acrescida de avultosas multas.

Parece despiciendo narrar que além do impacto financeiro direto, as autuações desestimulam a adoção da política de opção de compras de ação, aniquilando os benefícios potenciais advindos desta prática.

3 AUSÊNCIA DE SUBSUNÇÃO DAS STOCK OPTIONS AOS REQUISITOS PARA INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

A contribuição previdenciária constitui uma modalidade de contribuição social, cuja previsão está inserida nos artigos 149 e 195 da Constituição Federal:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

O constituinte determinou que o conceito de salário, para fins da mencionada exação, compreenderia todos os ganhos habituais do empregado, conforme se depreende do § 11 do artigo 201 da Carta Magna, in verbis:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[…]
11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.

Finalmente, ao instituir a hipótese de incidência da contribuição previdenciária, a Lei nº 8.212/91, por meio dos artigos 22, inciso I, e 28, inciso I, assentou que a sua base de cálculo abrangeria toda a remuneração configurada como retribuição pelo trabalho prestado pelo empregado:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;

A partir dos dispositivos supra, depreende-se que a base de cálculo determinada pela Lei nº 8.212/91, envolve todas as verbas que atendam, cumulativamente, a dois requisitos: “(a) retributividade – verbas que denotem a entrega de montante pecuniário como contraprestação dos serviços prestados e; (b) habitualidade – que sejam pagas de forma habitual e periódica ao beneficiário.” (WANDERLEY, 2015, p. 128).

Logo, as ações adquiridas pelos beneficiários sofrerá a incidência de contribuição previdenciária quando houver uma remuneração retributiva e habitual.

Contudo, conforme demonstrado anteriormente, além da ausência de caráter retributivo da prestação laboral, as stock options conferem somente ganhos eventuais ao beneficiário, não havendo qualquer garantia contratual ou de outra natureza que seja capaz de assegurar um ganho no mercado. A própria volatilidade no valor das ações é a essência do mercado financeiro, o que contrasta e diferencia da noção de salário.

Destarte, a inexistência de retributividade, habitualidade e a existência de risco demonstram que o valor das ações obtidas por meio do instituto das stock options não pode justificar a incidência de contribuição previdenciária, vez que não restam preenchidos os requisitos estipulados pelo legislador para que houvesse a incidência.

Recorda-se que no Direito Tributário vige o princípio da legalidade tributária (CARVALHO, 1991, p. 98). O artigo 150, inciso I, da Constituição Federal determina que somente por meio de lei pode ser criado ou majorado tributo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

A respeito do tema, colhe-se dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho (1991, p. 98):

[…] qualquer das pessoas políticas de direito constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei.

Por sua vez, não há no ordenamento jurídico brasileiro, norma que disponha sobre a tributação de valores decorrentes das stock options. Tal instituto, repita-se, é tratado pela legislação brasileira apenas pelo § 3º do artigo 168 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), que versa sobre a autorização para a outorga das opções de compra de ações pelas empresas a seus administradores ou empregados, ou a pessoas físicas que prestem serviços a companhia ou a sociedade sob seu controle.

No aludido dispositivo ou em qualquer outra passagem legal, portanto, “não se verifica autorizativo para tributação dos ganhos advindos de stock options ou mesmo a sua equiparação a salário de contribuição, a atrair a incidência”. (MOREIRA; QUINTELA; SAVASSI, 2013, p. 40).

Dessa forma, qualquer exigência tributária incidente sobre as stock options os incorre em ofensa ao artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, posto que não há lei que autorize a incidência de contribuição previdenciária sobre tais operações, não havendo, tampouco, como classifica-la como salário.

4 JURISPRUDÊNCIA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS (CARF)

Consoante descrito acima, a Receita Federal do Brasil (RFB), em diversas autuações lavradas contra pessoas jurídicas, vem defendendo o entendimento de que as operações de stock options detêm natureza salarial, supostamente oferecidas em retribuição pela prestação de serviços na forma de salário-utilidade, sendo devida a cobrança da contribuição previdenciária prevista no artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212, de 1991.

Todavia, ao realizar uma análise acerca do tema ora debatido, observa-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ainda não tem posicionamento uniforme sobre o tema.

Do levantamento das decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) realizado para o presente artigo, identificou-se:

ACORDÃO DATA DE SESSÃO CÂMARA / TURMA NATUREZA
2301-004.137 10/09/2014 3ª Câmara/1ª TO Remuneratória
2301-004.138 10/09/2014 3ª Câmara/1ª TO Remuneratória
2803/003.815 05/11/2014 3ª Turma Especial Mercantil
2302-003.536 03/12/2014 3ª Câmara/2ª TO Remuneratória
2402-004.480 20/01/2015 4ª Câmara/2ª TO Remuneratória
2402-004.481 20/01/2015 4ª Câmara/2ª TO Remuneratória
22401-003.888 11/02/2015 4ª Câmara/1ª TO Mercantil
2401-003.889 11/02/2015 4ª Câmara/1ª TO Mercantil
2401-003.890 11/02/2015 4ª Câmara/1ª TO Mercantil
2401-003.891 11/02/2015 4ª Câmara/1ª TO Remuneratória
2402-005.010 17/02/2015 2ª Câmara/2ª TO Remuneratória
2202-003.367 20/01/2016 2ª Câmara/2ª TO Remuneratória
2402-005.392 13/07/2016 4ª Câmara/2ª TO Remuneratória

É certo que não se deve ignorar o uso abusivo dos planos de opção de ações, consoante explica Oscar Valente Cardoso (2012, p. 114):

[…] deve ser observado não apenas o cumprimento dos requisitos normativos, mas também se o negócio jurídico é simulado ou se efetivamente se trata de um plano empresarial de stock options para seus prestadores de serviços. Havendo fraude e descaracterização das stock options, caso o valor pago a esse título se enquadrar no conceito de remuneração, passará a compor o salário de contribuição.

Por outro lado, devem ser respeitadas as características essenciais das stock options, sob pena de um desvirtuamento injustificado do instituto que inviabilize sua utilização no Brasil.

No âmbito judicial, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), no ano de 2016, proferiu decisão no sentido de que não incide contribuição previdenciária nas vendas de ações de empresas a empregados3. É a primeira decisão de mérito, em segunda instância, que se tem notícia e se espera que irradie efeitos para fins de pacificar o tratamento sobre a matéria.

No acórdão paradigma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a Fazenda Nacional arguiu que as stock options são uma ferramenta cada vez mais utilizada pelas companhias de capital aberto e representam um abandono ao modo tradicional de remuneração. Ainda alegou-se que “os ganhos auferidos pelos empregados da companhia no momento do exercício

3 TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, AC – APELAÇÃO CÍVEL – 0021090-58.2012.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHA-LOW.

da ação, ou seja, na integralização das ações, devem ser considerados como forma de remuneração indireta.”

O Tribunal Regional Federal compreendeu que a compra de ações pelo empregado cria uma relação jurídica contratual diferenciada e que não se confunde com outras modalidades.

Nas palavras do voto condutor do acórdão:

Portanto, o valor final obtido não decorre da remuneração em recompensa à força de trabalho do empregado, mas sim de um contrato mercantil. Assim, não é possível considerar como remuneração decorrente do trabalho e, consequentemente, não se submete à incidência da contribuição previdenciária.

À luz da singularidade do instituto e do seu propósito, as stock options clamam por uma pacificação em torno de sua natureza e da não incidência da contribuição previdenciária, nos moldes como decidido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

5 CONCLUSÃO

Buscou-se descrever e compreender as stock options, ou plano de opção de ações, que conferem ao beneficiário das ações uma parcela de capital da empresa, ensejando não apenas na participação nos dividendos da sociedade, mas também no risco envolvido na atividade econômica.

Destacou-se que as stock options possuem amparo legal no § 3º do artigo 168 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), mediante a observância de seis requisitos (cinco legais e um previsto na Deliberação CVM nº 371/2000), quais sejam (a) emissão por sociedades por ações, abertas ou fechadas; (b) previsão expressa no estatuto social; (c) observância do montante do capital autorizado; (d) plano de opções aprovado pela assembleia geral; (e) ter como beneficiário pessoas naturais que sejam empregados, administradores ou prestadores de serviços; (f) a divulgação da natureza e das condições dos planos de remuneração em ações, da política contábil adotada, e da quantidade e do valor pelos quais as ações foram emitidas.

Tal mecanismo se configura em interessante via de estímulo à cooperação no exercício da atividade empresarial e, também, como forma de trazer maior eficiência para a empresa.

Conforme a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, em consonância com a interpretação do § 1º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o instituto das stock options se enquadra na categoria não salarial, visto que (a) não há contraprestação por parte do empregado para o exercício da opção de compra das ações; (b) não há garantia de que o resultado da compra das ações será positivo; e (c) o contrato é oneroso para o beneficiário, que despende determinada quantia para adquirir as ações.

Portanto, afastado o caráter salarial, resta manifesto o caráter mercantil das stock options, não devendo os montantes pagos em decorrência do referido plano integrarem o salário de contribuição, razão pela qual não incide a contribuição previdenciária prevista no artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91, sobre os valores provenientes dessa opção de compra de ações.

Outrossim, ante a inexistência de autorizativo legal para tributação dos valores decorrentes das stock options, qualquer exigência tributária incidente sobre tais operações incorre em ofensa ao artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.

Finalmente, embora extensamente comprovado que a inclusão do valor das ações adquiridas por meio do exercício da opção não possui qualquer caráter contra prestacional, concluiu-se que o posicionamento adotado pelos julgadores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ainda não é unânime, posto que as análises tratam dos requisitos que ora afastam ora declaram a incidência da contribuição previdenciária.

O pioneiro acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) no ano de 2016 pode ser o grande marco para que haja pacificação nas decisões sobre o tema e, com isso, contribuir para que as stock options voltem a ser uma alternativa para as sociedades empresárias no Brasil.

 

REFERÊNCIAS

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